A MALÁRIA E O DDT
Juarez Morais Chaves
Nos anos 50, antes, portanto da construção das represas Três Marias em Minas Gerais e Sobradinho na Bahia, o Lago Ipueira, braço do Rio São Francisco que banha Xique-Xique (BA), em determinadas épocas do ano se transformava numa chocadeira de ovos do mosquito Anopheles transmissor da malária ou paludismo, como era mais conhecida a doença. Quando o volume das águas do Rio São Francisco baixavam e as águas do Lago Ipueira ficavam paradas ou com uma imperceptível corredeira, os ovos eclodiam e os mosquitos proliferados atacavam a população, a partir das 18 horas, obrigando-a ao uso diário do indispensável mosquiteiro para poder dormir.
Mal escurecia, a luz elétrica ainda não havia sido acesa pelo servidor Zezinho da Prefeitura e nem tãopouco rezada a Ave Maria na Voz do Barranco, serviço de auto-falantes local, já sentíamos nas pernas muitos mosquitos procurando se alimentar com o nosso precioso sangue. Jantávamos às pressas, os mosquiteiros eram imediatamente armados sobre as camas e todos se dirigiam para se sentar nas calçadas das casas, onde o vento reduzia a quantidade do ataque dos mosquitos. Mas, mesmo na porta da rua ainda era grande o número dos bichinhos que pousavam sobre os nossos braços e pernas descobertos e, nessa hora a única alternativa era nos valer de galhos de fícus com os quais nos abanávamos para espantar os pernilongos.
Essa também era a época em que a Campanha de Erradicação da Malária – CEM, através dos seus agentes mata-mosquitos, iniciava a aplicação da perigosa droga denominada de Diclorodifeniltricloroetano, conhecida por todos como DDT. Esse produto químico era aplicado de casa em casa e por toda a cidade, independente do mal que causasse ou viesse a causar ao cidadão.
Para que a casa fosse preparada para receber o DDT borrifado, o Posto da Malária distribuía com a população uma escala que permitia a determinação do dia em que os agentes estariam na sua rua para fazer a aplicação do líquido leitoso prejudicial à saúde dos homens e dos bichos, mas que, na época, era necessário para se evitar o mal maior da malária. Era um dia de festa para a meninada e um inferno para a dona de casa que teria de cobrir com lençois todos os móveis e quadros e outros objetos que pudessem ser prejudicados pelo DDT. Os pequenos animais, principamente os pássaros, eram retirados para outros locais, pois o contato direto com o líquido poderia matá-los.
No dia marcado, estivesse ou não preparado o ambiente, os mata-mosquitos chegavam, acompanhados do “caminhão da malária” uma caminhoneta de cor prata metálico, carregada com o sinistro pó branco acondicionado em toneis e, quase sem pedir licença, adentravam pela casa, começando de imediato a borrifar o chão, paredes, teto, cômodo por cômodo incluindo os quartos de dormir, os sanitários, banheiros e cozinha, com um líquido leitoso de cheiro forte e característico. Para a realização desse serviço utilizavam uma bomba ou pulverizador manual, acoplado às costas, possuindo um longo cano de quase 2 metros de cumprimento pelo qual saia o borrifo do DDT líquido. Como a casa tinha que ficar dedetizada por pelo menos 24 horas para que os mosquitos, larvas e ovos fossem destruídos a gente era obrigada a dormir sob aquele cheiro forte de inseticida que por certo provocava grandes danos à saúde de todos os beiradeiros.
A medida que acabava o líquido contido na bomba pulverizadora o agente se dirigia ao “caminhão da malária” que estava estacionado sob os frondosos pés de ficus plantados em frente às casas e, alí mesmo, preparava mais uma carga, misturando o pó do DDT com água. Todo esse procedimento, desde o preparo do líquido leitoso até a borrifação nas casas, era feito sem a preocupação de proteger a população e os agentes sendo que estes, que tinham um contato direto com o DDT, não usavam nem máscaras e nem luvas, naturalmente pelo desconhecimento de que estavam manipulando um perigoso veneno que durante muito tempo foi utilizado nos paises mais pobres para o controle das pragas e endemias. Por ser altamente solúvel na água é bastante perigoso para a espécie humana pois se acumula com facilidade na glândula tireóide, fígado e rim. Felizmente desde 1985 o DDT não é mais utilizado no Brasil.
Somente as pessoas que viveram em Xique Xique (BA) e generalizando, nas demais cidades ribeirinhas do Rio São Francisco, nos anos 1950, podem testemunhar a eficácia do DDT não obstante o grande mal que causou à população. Mas, naquele tempo e com o pouco conhecimento que se tinha da periculosidade da droga, a população somente sentia a sua parte boa que era a eliminação do mosquito que mal maior trazia com a malária e no mínimo incomodava sobremaneira com as constantes, inúmeras e insistentes picadas nas pernas e braços dos barranqueiros.
Logo no dia seguinte à aplicação do DDT, como por milagre, toda a nuvem de mosquitos que era comum se ver a partir das 18 horas estendendo-se pela madrugada adentro, cujo estrago somente era impedido pelos que dispunham de mosquiteiros, desaparecia e as noites ficavam tranqüilas e com relativo conforto, mesmo porque se os mosquiteiros impediam o ataque dos mosquitos aumentava sobremaneira o calor que já era muito na cidade tornando as noites insuportáveis principalmente pela ausência de energia elétrica que impedia o uso de ventiladores.
O mais interessante dessa história é que nunca ouvi falar de alguém em Xique Xique que tivesse sido acometida de malária. Não sei se os mosquitos da beira do rio São Francisco não transmitiam essa doença ou se os xiquexiquenses eram imunes ao vírus. Também, até hoje não ouvi falar de que alguém que viveu ali, naqueles anos 1950, tivesse tido algum problema de saúde relacionado com o fato de haver dormido em uma casa totalmente borrifada de DDT e durante toda a noite, em ambiente fechado, respirando aquele ar contaminado pela droga. O que se sabia e o que se notava de imediato era que com o DDT a população estava livre de dois males: um maior que era a possibilidade de ser picado por um mosquito contaminado de malária e um mal menor que era o incômodo de lutar contra a picada do mosquito durante toda a noite.
Por tudo isso, pesando-se os prós e os contras, com todos os perigos que o DDT trazia para os que com ele tomaram contato direto, essa droga leitosa e mal cheirosa sempre foi muito bem recebida pela população de Xique-Xique principalmente os menos favorecidos que não dispunham de mosquiteiros para se livrarem, pelos menos durante o sono, das picadas anofélicas.
JMC/2006
Juarez Morais Chaves
Nos anos 50, antes, portanto da construção das represas Três Marias em Minas Gerais e Sobradinho na Bahia, o Lago Ipueira, braço do Rio São Francisco que banha Xique-Xique (BA), em determinadas épocas do ano se transformava numa chocadeira de ovos do mosquito Anopheles transmissor da malária ou paludismo, como era mais conhecida a doença. Quando o volume das águas do Rio São Francisco baixavam e as águas do Lago Ipueira ficavam paradas ou com uma imperceptível corredeira, os ovos eclodiam e os mosquitos proliferados atacavam a população, a partir das 18 horas, obrigando-a ao uso diário do indispensável mosquiteiro para poder dormir.
Mal escurecia, a luz elétrica ainda não havia sido acesa pelo servidor Zezinho da Prefeitura e nem tãopouco rezada a Ave Maria na Voz do Barranco, serviço de auto-falantes local, já sentíamos nas pernas muitos mosquitos procurando se alimentar com o nosso precioso sangue. Jantávamos às pressas, os mosquiteiros eram imediatamente armados sobre as camas e todos se dirigiam para se sentar nas calçadas das casas, onde o vento reduzia a quantidade do ataque dos mosquitos. Mas, mesmo na porta da rua ainda era grande o número dos bichinhos que pousavam sobre os nossos braços e pernas descobertos e, nessa hora a única alternativa era nos valer de galhos de fícus com os quais nos abanávamos para espantar os pernilongos.
Essa também era a época em que a Campanha de Erradicação da Malária – CEM, através dos seus agentes mata-mosquitos, iniciava a aplicação da perigosa droga denominada de Diclorodifeniltricloroetano, conhecida por todos como DDT. Esse produto químico era aplicado de casa em casa e por toda a cidade, independente do mal que causasse ou viesse a causar ao cidadão.
Para que a casa fosse preparada para receber o DDT borrifado, o Posto da Malária distribuía com a população uma escala que permitia a determinação do dia em que os agentes estariam na sua rua para fazer a aplicação do líquido leitoso prejudicial à saúde dos homens e dos bichos, mas que, na época, era necessário para se evitar o mal maior da malária. Era um dia de festa para a meninada e um inferno para a dona de casa que teria de cobrir com lençois todos os móveis e quadros e outros objetos que pudessem ser prejudicados pelo DDT. Os pequenos animais, principamente os pássaros, eram retirados para outros locais, pois o contato direto com o líquido poderia matá-los.
No dia marcado, estivesse ou não preparado o ambiente, os mata-mosquitos chegavam, acompanhados do “caminhão da malária” uma caminhoneta de cor prata metálico, carregada com o sinistro pó branco acondicionado em toneis e, quase sem pedir licença, adentravam pela casa, começando de imediato a borrifar o chão, paredes, teto, cômodo por cômodo incluindo os quartos de dormir, os sanitários, banheiros e cozinha, com um líquido leitoso de cheiro forte e característico. Para a realização desse serviço utilizavam uma bomba ou pulverizador manual, acoplado às costas, possuindo um longo cano de quase 2 metros de cumprimento pelo qual saia o borrifo do DDT líquido. Como a casa tinha que ficar dedetizada por pelo menos 24 horas para que os mosquitos, larvas e ovos fossem destruídos a gente era obrigada a dormir sob aquele cheiro forte de inseticida que por certo provocava grandes danos à saúde de todos os beiradeiros.
A medida que acabava o líquido contido na bomba pulverizadora o agente se dirigia ao “caminhão da malária” que estava estacionado sob os frondosos pés de ficus plantados em frente às casas e, alí mesmo, preparava mais uma carga, misturando o pó do DDT com água. Todo esse procedimento, desde o preparo do líquido leitoso até a borrifação nas casas, era feito sem a preocupação de proteger a população e os agentes sendo que estes, que tinham um contato direto com o DDT, não usavam nem máscaras e nem luvas, naturalmente pelo desconhecimento de que estavam manipulando um perigoso veneno que durante muito tempo foi utilizado nos paises mais pobres para o controle das pragas e endemias. Por ser altamente solúvel na água é bastante perigoso para a espécie humana pois se acumula com facilidade na glândula tireóide, fígado e rim. Felizmente desde 1985 o DDT não é mais utilizado no Brasil.
Somente as pessoas que viveram em Xique Xique (BA) e generalizando, nas demais cidades ribeirinhas do Rio São Francisco, nos anos 1950, podem testemunhar a eficácia do DDT não obstante o grande mal que causou à população. Mas, naquele tempo e com o pouco conhecimento que se tinha da periculosidade da droga, a população somente sentia a sua parte boa que era a eliminação do mosquito que mal maior trazia com a malária e no mínimo incomodava sobremaneira com as constantes, inúmeras e insistentes picadas nas pernas e braços dos barranqueiros.
Logo no dia seguinte à aplicação do DDT, como por milagre, toda a nuvem de mosquitos que era comum se ver a partir das 18 horas estendendo-se pela madrugada adentro, cujo estrago somente era impedido pelos que dispunham de mosquiteiros, desaparecia e as noites ficavam tranqüilas e com relativo conforto, mesmo porque se os mosquiteiros impediam o ataque dos mosquitos aumentava sobremaneira o calor que já era muito na cidade tornando as noites insuportáveis principalmente pela ausência de energia elétrica que impedia o uso de ventiladores.
O mais interessante dessa história é que nunca ouvi falar de alguém em Xique Xique que tivesse sido acometida de malária. Não sei se os mosquitos da beira do rio São Francisco não transmitiam essa doença ou se os xiquexiquenses eram imunes ao vírus. Também, até hoje não ouvi falar de que alguém que viveu ali, naqueles anos 1950, tivesse tido algum problema de saúde relacionado com o fato de haver dormido em uma casa totalmente borrifada de DDT e durante toda a noite, em ambiente fechado, respirando aquele ar contaminado pela droga. O que se sabia e o que se notava de imediato era que com o DDT a população estava livre de dois males: um maior que era a possibilidade de ser picado por um mosquito contaminado de malária e um mal menor que era o incômodo de lutar contra a picada do mosquito durante toda a noite.
Por tudo isso, pesando-se os prós e os contras, com todos os perigos que o DDT trazia para os que com ele tomaram contato direto, essa droga leitosa e mal cheirosa sempre foi muito bem recebida pela população de Xique-Xique principalmente os menos favorecidos que não dispunham de mosquiteiros para se livrarem, pelos menos durante o sono, das picadas anofélicas.
JMC/2006
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