domingo, 17 de junho de 2012

Crônica Xiquexiqueana: A FESTA DE SÃO JOÃO


O SÃO JOÃO EM XIQUE-XIQUE (BA)

(1ª Parte)

                                                 Juarez Morais Chaves

           Ah! A festa do São João em Xique Xique (BA), junto com o carnaval e a festa do Padroeiro Senhor do Bonfim, no dia 1º de janeiro, eram ansiosamente esperadas pela população da cidade. Mas, para mim, quando menino nos idos de 1953, o São João era a melhor de todas elas. Eu ainda não participava plenamente do carnaval e das festas do fim de ano, por não poder ir para os bailes noturnos que eram as partes mais animadas desses eventos.
No São João, não! Participava de tudo desde o momento em que se estava cavando o buraco da "fogueira" até quando o braseiro se apagava, lá para as 23 horas.
            Hoje, em todo lugar, o que caracteriza a festa de São João são as quadrilhas apresentando matutos e matutas estilizados, danças coreografadas e músicas eletrônicas que se apresentam durante todo o mês de junho. São até chamadas de festas juninas. Tem cidade que faz concurso de melhor quadrilha, melhor guarda roupa, melhor música, melhor coreografia, etc. Outras se auto-denominam “capital do São João” faturando com o nome do primo de Jesus para ganharem turistas e aumentarem a receita municipal. Convidam muitos artistas e músicos nordestinos com predominância de sanfoneiros e fazem grandes apresentações em palcos gigantes para uma platéia de milhares de pessoas. Exemplos disso são as festas de São João que acontecem nas cidades de Caruaru (PE) e Campina Grande (PB).
            Em Xique-Xique (BA), porém, nos anos 1950, a festa de São João era totalmente diferente de tudo que existe hoje. A característica era e existência das “fogueiras” “plantadas” em frente às casas para serem "derrubadas" quando estivessem “maduras”. Não conheci nenhuma cidade, mesmo na margem do Rio São Francisco, que tivesse esse hábito de fazer “fogueiras” na noite de São João.
              As “fogueiras”, como a gente chamava, não se limitavam a um amontoado de lenha e toros de madeira, para serem queimados numa determinada hora. A nossa “fogueira” ia muito além disso. No dia de São João, quando o sol estava começando a se esconder atras da Ilha do Gado Bravo, no outro lado do nosso Lago Ipueira, formado pelo Rio São Francisco,  lá para as 17 horas, começavam a encostar na “rampa do capim”, alguns "paquetes" trazendo grandes galhos de árvore medindo de 4 metros para cima de comprimento e pelo menos 15 cm de diâmetro, conhecidos como “fogueiras”, para serem vendidos a quem quisesse e pudesse comprar. Os maiores galhos eram adquiridos pelas famílias de melhor renda da cidade.
         Esses grandes galhos que virariam “fogueiras” eram retirados de uma árvore nativa denominada Pajeú, abundante nas ilhas do Rio São Francisco, principalmente na Ilha do Gado Bravo em frente a cidade. Era voz corrente que “fogueira” que não fosse de Pajeú, não servia.
      Adquirida, a “fogueira” era arrastada da beira do rio, pelos filhos ou por algum empregado, e colocada na porta da casa do comprador. A partir daí começava a segunda fase do festejo que era enfeitá-la com as mais diversas prendas amarradas em todos os galhos finos, representadas por laranjas, refrigerantes, sabonetes, perfumes baratos, pedaços de cana de açúcar e até dinheiro em espécie. Valia de tudo. Era o dono da “fogueira” que decidia como deveria ser enfeitada. E era essa decisão que iria determinar o "valor" de cada “fogueira”. Quanto mais rico o dono da casa maior e mais bem sortida era a sua “fogueira”.
           Enquanto um grupo de pessoas se ocupava em amarrar presentes nos galhos do Pajeú alguém se encarregava de abrir o buraco, com pelo menos 60 cm de profundidade, em frente à residência, para “plantar” a “fogueira”. “Fogueira” enfeitada e buraco pronto as pessoas da casa levantavam o grande galho, já agora mais pesado pelos inúmeros penduricalhos e o colocava no buraco fixando-o na vertical com o auxílio de pedras e terra. Após a “fogueira” estar na vertical e bem firme no chão, seu tronco era envolvido por uma grande pilha de lenha de angico que às vezes chegava a um metro de altura. Feito esse trabalho que se estendia até 18 horas, os donos da casa entravam para o jantar e deixavam um empregado tomando conta para evitar danos. Estava assim concluída a “fogueira” que somente lá para as 21 horas seria queimada.
            Mas, pode-se perguntar: qual era a relação entre um grande galho de árvore enfeitado e fincado no chão com a festa de São João?
Isso tinha como objetivo atrair os "derrubadores de fogueira", jovens moradores da periferia da cidade que na noite de São João iam de rua em rua escolhendo as melhores "fogueiras" para derrubarem e lançarem mãos nos prêmios alí pendurados. Mas, essa brincadeira tinha hora marcada e algumas dificuldades impostas pelo dono da casa.
           A hora marcada era quando o tronco da "fogueira" estivesse totalmente carbonizado e quase caindo por conta própria. Mas, como isso demorava um pouco, pois a madeira estava verde, os derrubadores a partir do momento em que a fogueira era acesa, começavam o assédio para derrubá-la antes do tempo.
Para evitar isso, o dono da "fogueira", logo após o jantar, postava-se, junto com todos os familiares, na porta da sua residência, armado de "buscapés", fogos de artifício de fabricação local, para impedir a "derrubada" precoce.
          Devido ao alto custo da brincadeira somente algumas famílias mais abastadas podiam dar-se ao luxo de terem “fogueiras” na porta da casa. Por isso as maiores e mais bem sortidas preferidas pelos "derrubadores de fogueira", eram em número limitado, talvez umas 20, e ficavam em poucas ruas, como a Praça D. Máximo, Avenida J. J. Seabra, Rua Góis Calmon (Rua Grande), Rua Ruy Barbosa (Rua da Amargura) e Rua Marechal Deodoro (Rua da Sete). 
        No entanto, mesmo entre essas poucas dezenas existiam umas 4 ou 5 "fogueiras" famosas que eram as mais cobiçadas pela grande quantidade de prendas que portavam. Nessas, o momento da derrubada se transformava num espetáculo original, de um lado o dono e familiares com "buscapés" acesos e dirigidos para o tronco da “fogueira” e do outro os "derrubadores", sem “armas” para se defenderem e sem proteção para as queimaduras, mas dispostos a derrubarem a “fogueira” e levarem as famosas prendas que incluía até dinheiro em espécie.
           Até as 21 horas, as famílias sentadas nas calçadas de suas casas se divertiam soltando as mais diversas espécies de fogos, cuja quantidade, beleza e efeitos, também determinavam o maior ou menor poder aquisitivo daquela casa. As pessoas abastadas colocavam, na porta da rua, a disposição dos seus familiares, grandes bacias de alumínio cheias de pequenas bombas, traques, espanta-coiós, chuvinhas, fósforo elétrico, rodinhas, diabo-doido, foguetinhos, etc, que eram queimados pelos filhos sem a menor parcimônia. 
        Os familiares adultos se distraiam soltando fogos mais sofisticados, mais caros e mais bonitos a exemplo dos vesúvios, adrianinos, pistolas, "buscapés" etc, que enfeitavam e iluminavam a frente das casas dessas famílias tidas com as mais ricas da cidade. Os "buscapés", geralmente reservados para serem utilizados quando da derrubada da “fogueira”, eram fogos especiais e consistia, basicamente, de uma taboca cilíndrica de uns 30 a 40 cm de cumprimento com até 5 cm de diâmetro cheia de pólvora e limalha de ferro e outras coisas mais que, ao serem acesos liberavam uma grande quantidade de fagulhas a uma distância de até 10 metros e que ao atingir a pele das pessoas provocava queimaduras, sendo por isso muito temido pelos derrubadores de “fogueiras”. 
         Eram feitos artesanalmente por Seu Romualdo, fogueteiro afamado que durante muito tempo abasteceu a cidade com esses fogos e outros denominados de “bombas de parede” e foguetes de vara, todos de sua produção. Devido ao alto preço somente os mais ricos e donos de grandes e sortidas “fogueiras” podiam adquirir os buscapés de Seu Romualdo.
Foto: "Fogueira" no São João da Fazenda Carnaúba (Guaracy)
                                           (Continua no dia 24 de junho).

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