quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Crônica: Xiquexique cercada e a matança dos animais

XIQUEXIQUE CERCADA E A MATANÇA DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS




Estávamos em 1951 e o segundo prefeito de Xiquexique eleito pelo povo, Sr. João Rodrigues Soares, emérito farmacêutico da cidade, ainda estava começando a esquentar a cadeira de Chefe do Executivo, pois tomara posse no dia 31 de janeiro daquele ano. Preparava-se para colocar em prática uma das suas promessas de campanha: acabar com a livre circulação de animais pelas principais ruas da cidade. Nessa época não existiam ruas pavimentadas e nem o jardim na Praça D. Máximo o que transformava as vias urbanas em grandes áreas de pastagens para os animais herbívoros, principalmente jegues, caprinos, ovinos e bovinos, ante o grande quantidade de grama de burro que vicejava em todas as ruas. Além dos herbívoros outros animais, tais como cachorros, porcos e galinhas também passeavam livremente por todas as ruas e ruelas sem se preocuparem com a companhia da população que pelas mesmas vias também passeava.Mesmo não atrapalhando o transito, pois a cidade nesse tempo possuía uma ínfima quantidade de veículos automotores que se poderia contar nos dedos das mãos, o excesso de animais soltos na cidade causava preocupação e temor ao povo, pois a qualquer momento os habitantes adultos ou crianças poderiam ser atacados por algum deles, principalmente no período noturno, pois, a cidade não contava com energia elétrica eficaz. Por tudo isso, os eleitores esperavam com ansiedade as providências prometidas pelo candidato a prefeito no sentido de acabar com a livre circulação de animais soltos pela cidade. Desejoso, pois de resolver o problema com a maior urgência possível, o Prefeito João Soares divulgou uma portaria solicitando aos proprietários que tomassem todas as providências no sentido de manter os seus animais presos, sob pena de serem recolhidos por prepostos da Prefeitura. Para isso, foi dado um prazo. Mas, vencido o prazo, verificou-se que ninguém levou a sério a determinação do Sr. Prefeito, pois os animais continuaram a andar e a pastar pelas ruas. A prefeitura chegou a recolher alguns numa área existente nos fundos da Prefeitura, mas essa providência, também não surtiu efeito pois era muito cômodo para os donos dos animais verem que seus bichinhos estavam bem guardados e bem alimentados pelo poder público. Com o passar do tempo, o quintal da Prefeitura estava abarrotado de jegues, bois, burros, etc, tendo o Poder Público que, diariamente mandar um preposto à beira do rio comprar capim para os “prisioneiros”. Além do mais, os cachorros e porcos continuavam soltos perturbando a população.Nova providência então, foi encetada e consistia em recolher os animais nas vias públicas, joga-los na carroceria do caminhão da Prefeitura e soltá-los a alguns quilômetros de distância da sede do Município, no meio da caatinga. Essa medida surtiria algum efeito se os animais que facilmente se adaptariam no ambiente, tais como jegues, bovinos e muares, permanecessem soltos na caatinga. Mas, pelo bom valor relativo desses bichos os donos davam um jeito de trazê-los de volta e o problema recomeçava. Por outro lado, os cachorros não tinham nenhum problema para localizar o caminho de volta para suas casas. Portanto, colocar os animais vadios sobre a carroceria do caminhão e deixa-los bem afastado da cidade, também não resolveu o problema com o agravante de continuar a dar grande despesa à Prefeitura com a compra de combustível e demais desgaste do carro.O Prefeito, então, dominado pela obsessão de acabar com a presença de animais nas ruas da cidade, teve uma idéia, por ele considerada brilhante: protegeria a cidade com uma cerca de arama farpado com 12 fios, colocando, estrategicamente 3 ou 4 grandes cancelas para passagens de pedestres e veículos. E assim foi feito. Durante alguns meses muitos bons mourões de angico, aroeira e umburana foram retirados da caatinga e colocados ao longo do perímetro da cidade, por onde deveria passar a cerca. Um exército de trabalhadores se encarregou de fazer as centenas ou milhares de buracos par fixação dos mourões. Após os mourões estarem bem enterrados a uma profundidade de pelo menos meio metro, os 12 fios de arame farpado foram esticados e, após alguns meses de duro trabalho, acompanhado de perto e pessoalmente pelo Prefeito João Soares e seu filho e secretario particular Sandoval, a cerca estava pronta com as 3 cancelas. Restava apenas manter os animais do outro lado da cerca e assim estaria resolvido o problema.
Através de todos os meios de divulgação a Prefeitura solicitou ao povo da cidade que colaborassem com a população soltando os seus animais, caso necessário, do outro lado da cerca e fora do perímetro da cidade. Foi feita uma intensa campanha no sentido de sensibilizar os donos dos animais bem como motivar a população que se sentia prejudicada com os bichos soltos, que também se fizessem presente como se fiscais fossem da Prefeitura. Inicialmente, creio que pressionados por parte da população os donos dos bichos ficaram inibidos e sempre que iam liberar seus animais para dar uma voltinha levavam-no até a cerca de arame farpado e atravessando uma das cancelas os deixava pastando ou fuçando nas áreas não habitadas. Quanto aos cachorros tinham o cuidado de mantê-los presos em casa. E assim continuou por algum tempo até que, de novo e lentamente os animais começaram a aparecer na Praça D. Máximo.
Não se sabe se era preguiça dos donos em levá-los para fora do perímetro cercado ou se era por irresponsabilidade de algumas pessoas que passavam pelas cancelas e as deixavam abertas permitindo assim o retorno dos bichos. A verdade é que de uma hora para outra a cidade voltou a ser invadida pelos animais domésticos.
Irritado e sem saber o que fazer o Prefeito João Soares reuniu-se com seus auxiliares, ocasião em que lhes pediu sugestões para a solução do problema. Todo o Executivo se envolveu com a questão e passaram alguns dias ruminando o assunto a procura de uma solução eficaz para que o Chefe pudesse realizar a promessa feita na campanha. Precisava urgentemente de acabar com o passeio de animais vadios pela cidade, principalmente na Praça D. Máximo, para a qual tinha um projeto de urbanização e onde ficava a sede do poder Municipal. Foi aí que alguém do circulo do Prefeito teve a idéia de eliminar esses animais. A sugestão foi imediatamente aceita ficando apenas para ser discutida a forma da matança. Para isso foram convocadas muitas reuniões e muitas discussões foram travadas com muitas sugestões prós e contras, porque dentro do círculo de auxiliares do Prefeito existia, também, aqueles que deixavam os seus animais circularem livremente pela cidade. Mas, ao fim de algumas semanas discutindo tão importante assunto foi aprovada que a matança seria feita a tiros de rifle e na mesma reunião também foi escolhido o servidor municipal para ser o carrasco dos bichos. A decisão foi alardeada por toda a cidade e dado um prazo de 30 dias para que os animais vadios desaparecessem das ruas e retornassem ao recinto das casa dos seus donos ou permanecessem no outro lado da cerca de arame farpado, sob pena de serem sacrificados em praça pública e seus cadáveres laçados aos urubus a uma distância de mais de 20 km, lá para as bandas de Várzea Grande.
A cidade foi tomada de surpresa com tão insólita advertência e mesmo os que se incomodavam com os bichos perambulando pelas ruas, sentiram-se chocadas com a decisão do prefeito, de sacrificá-los. Mas, a decisão, discutida, pensada e aprovada pela equipe do Executivo, estava tomada e seria cumprida. Houve apenas um acordo de cavalheiros no sentido de que somente seriam abatidos os suínos, caprinos e ovinos. Os demais animais de maior porte, seriam transportados para fora dos limites da cidade. Assim, no dia em que se completou o prazo dado pelo Poder Municipal, surge nas ruas de Xiquexique o preposto do Prefeito, comodamente instalado na boléia do caminhão da Prefeitura, um Internacional amarelo, garbosamente portando um rifle para o cumprimento da missão de carrasco. Ao avistar algum porco, bode ou carneiro pastando ou fuçando pelas ruas, o motorista do caminhão dirigia o veículo para perto e à uma distância que dificilmente erraria o alvo, o servidor municipal abatia a vítima. Ato contínuo, o animal, já morto, era içado para a carroceria do caminhão que, completada a sinistra carga, dirigia-se, pela estrada de Salvador ou da Barra e longe, bem longe, descarregava o banquete dos urubus.No exercício dessa função, o servidor municipal até parecia que estava treinando para um "safari" africano, tal a competência, a eficácia e a satisfação com que mirava o animal invasor. Divertia-se a valer com cada animal que, abatido, caía estrebuchando e logo em seguida era jogado na carroceria do caminhão. A notícia da matança espalhou-se como um rastilho de pólvora e de imediato os donos dos animais acorreram ao encontro do caminhão, ocasião em que o preposto municipal demonstrando benevolência e compreensão, suspendia o abate e permitia que criador do bicho o levasse para casa ou para o outro lado da cerca de arame, poupando-o assim da morte em praça pública. Caso já estivesse morto e na carroceria do caminhão, permitia que lhe fosse entregue para aproveitar a carne.
A caçada oficial aos bichos vadios se transformou numa festa para a meninada, na falta de outro trégua, que aos magotes corria na esteira do carro da prefeitura para assistir ao resultado de cada um dos tiros oficiais. A cada bicho caído os meninos, em coro, entoavam gritos de torcida como se fosse uma claque organizada e contratada pelo poder público. As mães, naturalmente ficavam aflitas pela proximidade dos seus filhos com a arma mortífera que não desperdiçava um projétil sequer.
Com pouco tempo de atuação a matança dos animais vadios provou ser válida para o projeto do Prefeito, pois, já não se viam pequenos animais pastando ou fuçando pelas vias de Xiquexique.
Limpa a cidade, o Prefeito passou a se ocupar do seu outro projeto que era a construção de um jardim na Praça D. Máximo, cujo nome, segundo a tradição, diga-se de passagem, é uma homenagem a um sacerdote xiquexiquense que se tornou bispo numa cidade do Maranhão. O projeto foi aprovado pelos vereadores em 1953 e o jardim, construído, ainda, na gestão do Prefeito João Soares. Mas, mesmo com o jardim concluído e totalmente ornamentado pelas flores de “boa noite”, a presença de animais na Praça D. Máximo continuou a ser uma constante, como se pode ver pela foto, onde aparecem jumento, porco e caprino. Na verdade os animais somente deixaram de freqüentar a via pública após a pavimentação da cidade que exterminou a grande quantidade de grama de burro que vicejavam em todas as ruas e principalmente na Praça D. Máximo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário