domingo, 8 de agosto de 2010

Crônica: OS CAMINHÕES "BROTINHO" E "LUA NOVA"

O "BROTINHO" E O “LUA NOVA”

Xiquexique, pequena cidade do interior baiano, entre os anos 1940/1950, mesmo com as precárias rodovias existentes, possuiu dois caminhões que ficaram na história. O primeiro e mais famoso foi o “Brotinho” velho caminhão, demonstrando pela carroceria e cabine que estava em franco processo de desmanche, pertencia ao comerciante Nelson Almeida e, guiado por Nivaldo, um dos seus filhos, era uma espécie de quebra galho na cidade e transportava de tudo, desde que deixasse um certo numerário para o seu motorista. Chegou até a transportar, numa determinada época, o lixo da cidade. Pela aparência, o “Brotinho” só recebia do seu dono o combustível e uma precária manutenção no motor para que continuasse rodando e gerasse alguma renda. O restante, compreendendo a lataria, a carroceria e os pneus, apresentavam sinais de total abandono. Mas, não obstante esse desprezo o “Brotinho” foi contemplado, na década de 1950, com a escolha para ser o transportador dos brinquedos doados por Castilho, famoso dono da Voz da Liberdade, para as crianças pobres da periferia na época do Natal. Cumpriu a missão a contento, transportando a nobre carga por todos os bairros carentes e durante todo o dia sem um “prego” sequer no motor. Nesse dia, também, sofreu uma completa faxina na beira do rio quando teve lavados, com água e sabão os pneus, a carroceria e a cabine, onde deveria estar instalado, além do motorista o doador Castilho. Com essa pequena faxina e alguns enfeites de papel de seda e celofane que foram colocados na carroceria e cabine, o “Brotinho” teve seu dia de glória que poderá ter sido o único.

O outro caminhão que ficou famoso em Xiquexique foi o “Lua Nova”, de propriedade do Sr. João Percevejo, competente e conhecido mecânico de carros procurado pela elite da cidade que à época, possuía algum veículo automotor. Desde o final da década de 1930 a cidade de Xique-Xique fervilhava com a quantidade de cristais de rocha que era extraída do Garimpo do Rumo, lugarejo situado a aproximadamente 40 km da sede do município. Tudo ali girava em torno de se conseguir a maior e melhor pedra para com o “bamburro” resolver todos os problemas financeiros. Por isso, a cada dia multidões de garimpeiros chegavam à cidade com destino ao Rumo e para lá, de imediato se dirigiam no primeiro transporte encontrado. No garimpo nada se produzia em termos de gêneros de consumo porque as pessoas que para lá se dirigiam preocupavam-se apenas em extrair do seio da terra alguma gema de cristal. Por isso, tudo era trazido de Xique-Xique por comerciantes radicados na cidade eu que ali instalavam pequenas bodegas onde se vendia desce a cachaça até a farinha de mandioca. Eram as precursoras das lojinhas de conveniências. Por isso o meio de transporte rodoviário se tornou tão importante, levando o mecânico João Percevejo a antever um bom negócio com a aquisição de um caminhão. No início dos anos 1940, partiu então para a cidade de Juazeiro do Norte, no Ceará e lá adquiriu um Chevrolet de segunda mão, mas já adaptado para ser utilizado no transporte de pessoas e mercadorias. A adaptação se caracterizava pela substituição da cabine de fábrica e de metal por outra feita por carpinteiros, sem portas, toda em madeira e podendo acomodar o dobro de pessoas. Chegando a Xique-Xique fez, em sua oficina, uma total revisão do carro, principalmente na parte mecânica com especial atenção para a suspensão e os feixes de mola, deixando-o em condições de enfrentar a precária estrada do Rumo. Não se sabe, todavia, porque resolveu colocar na frente do radiador, a vista de todos, uma lua de metal tornando-o conhecido como “Lua Nova”. Para melhor caracterizar o veículo e torná-lo mais conhecido, dotou-o de uma buzina engraçada, utilizando uma música antiga conhecida que logo a meninada, colocou, a título de gozação a frase "domingo eu vou pro Rumo não sei se vou voltar”.
Preparado o “Lua Nova” para a linha Xique-Xique x Rumo, passou a fazer viagens diárias ao garimpo, levando um maior número de pessoas e uma maior quantidade de mercadorias rivalizando com os demais veículos existentes tanto na quantidade carregada quanto no conforto por ser um carro mais novo e, em pouco tempo, o “Lua Nova” passou a ser o único caminhão que viajava diariamente de Xique-Xique para o garimpo do Rumo, saindo pela manhã e retornando à tardinha, levando, principalmente as mercadorias para abastecer as pequenas bodegas que se espalhavam pelo povoado do Rumo e eventualmente algum passageiro que, tendo tomado conhecimento do novo garimpo, chegava a Xique-Xique na esperança de se tornar rico. Também, não era raro, trazer de volta algum garimpeiro desiludido pelos dias ou mesmo meses perdidos no Rumo sem nada encontrar.
O “Lua Nova” tanto viajou para o Rumo que estava por lá no dia do grande incêndio. Era o ano de 1942, meio dia de um domingo quando os garimpeiros se distraiam preparando-se para o início da labuta no dia seguinte. O “Lua Nova” arrumava a carroceria para a viajem de volta e os passageiros já estavam devidamente informados sobre a hora da saída do caminhão. Nisso todos ouvem o grito de desespero de alguém avisando que o Rumo está se pegando fogo. De imediato a programação do carro foi totalmente mudada e ficou a disposição para levar a Xique-Xique alguma pessoa que precisasse de socorro médico. A partir do meio da tarde iniciou uma série de viagens que se prolongou por toda a noite continuando até o dia seguinte somente transportando os feridos e queimados. Foi o “Lua Nova” que deu toda a assistência aos atingidos pelo incêndio do Rumo.
No que pese o grande desastre que destruiu totalmente o povoado do Rumo, a população de Xique-Xique não podia conter a surpresa e o inusitado da situação quando, assistindo ao desembarque dos passageiros do “Lua Nova”, vindos do Rumo, constataram que a maioria das pessoas, homens e mulheres estavam praticamente despidos ante a destruição total dos seus pertences. Comentavam, ao desembarcarem, que não puderam salvar nem os poucos cristais que estavam escondidos dentro dos miseráveis colchões, pois, com o calor do fogo explodiam como bombas. Terminado o transportes dos feridos e queimados, nada restou do povoado do Rumo e o garimpo nunca mais renasceu. O “Lua Nova”, também deixou de viajar para aquelas bandas desde o fatídico domingo de 1942.

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