Juarez M. Chaves
Nasci e me criei em Xique-Xique (BA), pequena cidade do interior baiano, nas beiradas do Rio São Francisco, ouvindo o apito e assistindo os vapores “encostarem” na rampa do cais que ficava após a Praça Getúlio Vargas e que era conhecida como o porto do vapor.
Nos anos 1950 os vapores eram o principal, senão o único meio de transporte entre as cidades ribeirinhas do Rio São Francisco, transportando passageiros, cargas e movimentando o comércio da região, tendo permanecido assim por mais de 60 anos e, só não estão, ainda hoje em plena atividade pela falta de visão dos nossos governantes.
Nessa época (1950), eram quase 30 vapores que navegavam pelo Rio São Francisco, empregando diretamente mais de 1.300 pessoas, distribuídos entre a Companhia Baiana de Navegação com os vapores pintados de vermelho e branco e a Companhia Mineira de Navegação com os vapores pintados de amarelo e branco.
A chegada de um vapor em Xique-Xique era um evento de grande alegria e alvoroço para toda a população da cidade pois, não obstante a freqüência com que ancoravam, o fato nunca foi banalizado e nunca se tornou rotineiro. Era algo muito importante e o povo nunca deixou de assistir a chegada e a saída dessas embarcações.
Os vapores, pelos imprevistos que ocorriam durante o trajeto de Pirapora (MG) até Juazeiro (BA), ou vice-versa, não tinham hora certa para chegar em cada porto. Por isso mesmo os representantes das Navegações Mineira e Baiana, em cada cidade, eram avisados por rádio da hora em que o vapor saía do porto da cidade vizinha. A partir dessa informação ele calculava o momento de chegada do vapor.
Podia ser qualquer hora do dia ou da noite. Por isso os passageiros que iam embarcar tinham que estar de sobreaviso, para essa provável hora de chegada, estimada pela Agência de passagens. Para "encostar" em Xique-Xique, o vapor saía do canal principal do rio São Francisco, atrás da Ilha do Gado Bravo e entrava no Canal do Guaxinim e, já dentro do nosso Lago Ipueira, emitia um longo e sonoro apito, avisando a todos que estava entrando na cidade.
Como o apito era produzido pela saída do vapor oriundo da caldeira onde a lenha era queimada, o som produzido por cada um era diferente e isso permitia que muitas pessoas identificassem o vapor que estava chegando pelo simples ouvir do apito. O som desse apito, ouvido em toda a cidade, era suficiente para arrastar a população.
Ainda estava o vapor no meio do Lago Ipueira, fazendo as manobras para "encostar" e o cais de Xique-Xique já estava totalmente tomado pelo povo, parado e olhando como que hipnotizado aguardando o momento em que âncora era lançada. Nessa hora os “marinheiros” se jogavam na água e nadavam até margem, segurando uma grossa corda com a qual começavam a puxar a embarcação para encostá-la ao máximo no cais. Feito isso, uma grande e larga passarela de madeira denominada de “prancha”, ligando o vapor à terra firme, permitia a saída e entrada de pessoas. Os passageiros em trânsito também desembarcavam para dar uma volta pela cidade com tempo suficiente, pois, normalmente o vapor demorava uma hora “encostado”.
Enquanto isso, as pessoas de Xique-Xique que iam embarcar, após o desembarque dos passageiros imediatamente entravam com suas bagagens a procura de uma acomodação para a viagem até Juazeiro (BA), que em média durava 3 dias. Tendo sorte encontrariam um camarote com um beliche que, apertado caberia 2 pessoas. Caso contrário, teriam que dormir no salão do vapor sobre colchões. Mas, isso os moradores das cidades situadas no meio do trajeto Juazeiro (BA)/Pirapora (MG), já estavam acostumados, pois os camarotes eram ocupados por passageiros que embarcavam nas cidades origem do trajeto.
Todo o movimento de saída e entrada de pessoas pela “prancha” era curiosamente observado pela população postada, de pé, no cais. O que mais atraia a atenção eram os oficiais tripulantes, principalmente o Comandante do Vapor, com sua roupa de marinheiro impecavelmente branca. Enquanto essa tripulação desembarcava para dar uma volta pela cidade ou para visitar a Agência de vendas de passagens, os “marinheiros” como eram conhecidos a tripulação de estivadores, começava a transportar para o interior do vapor a mercadoria que estava posta na beira do rio com destino a Juazeiro (BA) ou Pirapora (MG). Terminado o embarque das mercadorias e o contato dos tripulantes com os Agentes de Passagens, os oficiais retornavam e o “prático”, como era conhecido o oficial piloto, acionando um dispositivo produzia um apito que era interpretado pelo povo como o primeiro sinal. Nesse momento os passageiros que estavam passeando pela cidade providenciavam, de imediato, o retorno ao vapor. Passado alguns minutos novo apito soava como segunda chamada. Nesse momento, todos já deveriam estar a bordo e os visitantes deveriam sair do vapor, pois, a qualquer momento a ”prancha” seria retirada.
A uma ordem do comandante o “prático” acionando a casa das máquinas, avisava que o vapor estava prestes a sair e, imediatamente os “marinheiros” retiravam a “prancha”, recolhiam a âncora e a roda traseira do vapor começava, lentamente, a se movimentar. Era o momento da saída.
As pessoas acenavam lenços e mãos dando “adeus” para os parentes e amigos que partiam naquela viagem. Nessa altura o vapor já estava no meio do Lago Ipueira e, com as máquinas já em plena força, emitia um longo e saudoso apito como que se despedindo daquele povo tão acolhedor que somente agora estava, lentamente, se afastando do cais. Somente a partir do desaparecimento do vapor na curva do Lago Ipueira já entrando no Canal do Guaxinim, a cidade voltava à normalidade e ficava no aguardo da notícia do próximo vapor que em breve deveria estar chegando.
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