domingo, 24 de abril de 2011

CRÔNICAS XIQUEXIQUEANAS: O "JAZZ" DE XIQUE-XIQUE (BA)

O "JAZZ"

Juarez M. Chaves

"Jazz" era como a gente chamava o modesto conjunto musical que animava as festinhas nos clubes sociais de Xique-Xique (BA), na década de 1950. Era formado por pessoas da terra que tinham como atividades principais outras profissões que não a de músicos. O uso dos instrumentos musicais era feito quase por diletantismo e como um biscate.

Os componentes "jazz" não tinham tempo para o estudo da teoria musical e muito menos para os ensaios em conjunto, motivos pelos quais a qualidade da arte apresentada não era das melhores. Não obstante isso, esses músicos eram muito requisitados para animarem as festas que normalmente aconteciam no decorrer do ano. Sempre estavam de boa vontade para tocarem e receberem algum numerário pelo serviço.
Basicamente o nosso "jazz" era formado por um saxofone, um trombone de vara, um banjo e uma bateria. Por ser da terra e composto por apenas quatro músicos, o principal baile da cidade que acontecia no dia 1º de janeiro, sempre era animado por conjuntos musicais de outras cidades. Nessa ocasião o "jazz" de Xique-Xique era contratado para tocar na festa realizada no Clube Operário.
O saxofone era tocado pelo Sr. Mario Torres Rapadura, servidor público municipal e tido como uma espécie de maestro do conjunto. Tinha grande conhecimento de teoria musical, lia com facilidade qualquer partitura e na juventude fora um exímio saxofonista, mas, quando a nossa geração o conheceu, a idade não mais lhe concedia a necessária agilidade nos dedos que o permitisse manter a virtuose de outrora. No entanto, era um instrumentista que atendia às nossas necessidades de então, principalmente pela sua boa vontade e disponibilidade para animar as festas xiquexiquenses, não somente as patrocinadas pelo Clube Recreativo Sete de Setembro, mas também aqueles pequenos bailes organizados pelos estudantes nos períodos de férias, ocasião em que a gente se deleitava dançando ao som do "jazz".
O trombone de vara era operado por Hermes Evangelista (sentado, na foto) que tinha como atividade profissional o ofício de pedreiro. Hermes também tinha intimidade com a partitura musical, mas o absorvente ofício de pedreiro não lhe deixava tempo para o estudo e os ensaios com o instrumento, motivo pelo qual a música extraída do seu trombone não estava à altura dos seus conhecimentos teóricos. Às vezes acontecia de o nosso trombonista estar de mau humor e, nessas ocasiões o jeito era agüentar o tranco e ir dançando fazendo de conta que estava tudo as mil maravilhas.

O banjo era operado por Manoel Guerreiro, que trabalhava na Prefeitura e tinha como função dirigir uma carroça puxada a burro que recolhia o lixo da cidade. Não sei como foi que Manoel Guerreiro aprendeu a tocar banjo. Acredito até que tocava de ouvido, fazendo apenas o acompanhamento dos solos do saxofone, mas aquele som diferente dava um bonito efeito musical ao conjunto. Não tinha maiores pretensões e nem gostava de aparecer, preferindo ficar na retaguarda do grupo formando os acordes necessários ao bom acompanhamento musical.
A bateria ficava sob a responsabilidade de Pedro Topógrafo, (na foto, em pé), também, intimamente, conhecido entre os amigos como Pedro Cachaça, que por esse tempo, ainda jovem, durante a construção da rodovia BA-52, trabalhou como ajudante de topógrafo, encarregado que era de ficar segurando uma grande haste de madeira decimetrada utilizada pelos operadores dos teodolitos para o levantamento topográfico dos terrenos. Desde então passou a ser conhecido como Pedro Topógrafo. Também não sei como Pedro aprendeu a tocar a bateria. A verdade é que ao sentar cercado por aquela parafernália composta por tambores das mais diversas formas tendo a sua frente um par de pratos de metal amarelo, fazia uma tremenda movimentação e com isso conseguia, satisfatoriamente, marcar o ritmo da música o que permitia fluir o baile com os pares dançando animadamente.
Esse "jazz" dominou por muitos anos, acredito mesmo que desde o início dos anos 1950, sem que a cidade, através das suas autoridades constituídas, tivesse tomado a iniciativa de formar uma banda ou filarmônica, daquelas que tocam marchinhas nas praças, sempre se contentando com o referido conjunto, apesar das flagrantes dificuldades enfrentadas por seus componentes que apenas contavam com a própria boa vontade.
É do conhecimento dos xiquexiquenses que do final dos anos 1940 ate meados dos anos 1950, existiu em Xique-Xique uma modesta escola de música com aulas ministradas por um senhor que se auto-denominava de maestro. Alguns jovens estudaram teoria musical e chegaram a tocar instrumentos de propriedade da Prefeitura. Lembro-me bem de um deles, João Alves da Costa, grande serventuário da Justiça em Xique-Xique, meu colega de sala, de saudosa memória, quando juntos fizemos o curso primário no Cezar Zama, nos idos de 1950/1954 e que chegou a tocar muito bem o trompete. Mas essas pessoas não tiveram interesse em adotar a música como profissão, preferindo atuar em outras atividades e, com o tempo, abandonaram os instrumentos musicais.
O "jazz" de Xiquexique foi se acabando a medida que os componentes foram morrendo ou deixando de tocar.

Quando estive em Xique-Xique, em janeiro/2011, num baile patrocinado pelo GEMIX, tive o prazer de reencontrar-me com Pedro Topógrafo e Hermes Evangelista, ainda gozando plena saúde, não mais exercitando a nobre profissão de músicos, mas, desfrutando do baile ao som de um pequeno conjunto da cidade de Morro do Chapeu (BA).

Não podia, pois, deixar passar essa rara oportunidade de fotografar o par de músicos, para que a atual geração jovem conheça esses dois grandes artistas que na década de 1950 animaram, ao lado dos saudosos Mário Rapadura e Manoel Guerreiro, os bailes que marcaram épocas quando Xique-Xique ainda dispunha de uma sociedade civil muito bem organizada e que contava com o Clube Recreativo Sete de Setembro para, juntamente com o Clube Operário, ainda hoje em funcinamento, comemorar as grandes datas da cidade.

Aproveito a oportunidade para sugerir aos nossos Vereadores que, a exemplo do feito com Rosa Baraúna, Mestre Chico, Mário Rapadura e outros grandes vultos xiquexiquenses, prestigiem as nossas ruas da cidade com os nomes de Hermes Evangelista, Pedro e Manoel Guerreiro que durante muitos anos dedicaram parte de suas vidas a proporcinar grandes elegrias aos sócios dos clubes Sete de Setembro e Operária.

Um comentário:

  1. Boa matéria Juarez.Voce consegue de uma maneira simples e com muita propriedade,resgatar a história cultural da nossa terra.Parabéns! Eu gostaria que voce resgatasse também um pouco dos blocos carnavalescos, principalmente o cordão de lourenço que era o mais contestado à época, por se tratar de um bloco que agregava prostitutas.

    Sou seguidor assíduo do seu blog.
    filho de Xiquexique,morador em São Paulo
    sou adepto das boas histórias,crônicas e apaixonado pelo velho Chico.
    Filho de Nozinho irmão de (Zé nestor)

    Obrigado por esta presteza,

    AmázioLolita - São Paulo

    ResponderExcluir