sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Semana Santa em Xique Xique (BA): OUTRA VERSÃO

Divulgo, aqui, mais uma crônica da Semana Santa em Xique Xique BA, escrita pelo conterrâneo Nilson Azevedo.




CÂNTICOS, BENDITOS e TRADIÇÕES
In Nilson
A matraca soava demoradamente e a lamentação seguia pelas Estações, assemelhadas à Via Sacra, a entoar os“padre-nosso” e benditos, todos os cânticos em louvor a Deus, a Virgem Maria ou a um Santo qualquer. Os penitentes flagelavam-se com a “disciplina” materializada em lâminas afiadas, num suplício impressionante á guisa de arrependimento dos seus próprios pecados e, porventura, dos alheios.
Acreditava-se e acredito eu que as “almas santas benditas” estariam a levitar, temporariamente, no limbo ou no purgatório, a acompanhar os fiéis penitentes durante a lamentação, a esperar suas orações contundentes em forma de benditos, na primordial esperança de diminuir ou purgar os seus sofrimentos por constante crença, numa espécie de progressão da pena sem a juridicidade, no particular.
Os devotos, por sua vez, estariam amparados e recompensados por essas futuras e abençoadas “almas santas benditas” à busca de uma hipotética salvação eterna , mesmo inflacionados com as teorias sobre o desrespeito a envolver as crenças populares e das minorias, tão divulgadas nas sofisticadas máquinas dos Ipad II, da segunda remessa deste início do século XXI, sem resultados visíveis.
Os rituais de lamentação ainda praticados pelos penitentes de Xiquexique, embora propensos à extinção, jamais deveriam ser por eles abandonados em face dos fatídicos e prosaicos sete anos, que vem a ser o intervalo de suas medievais existências teleológicas e teológicas, posto que as almas dos que habitaram as Prefeituras, as Câmaras de Vereadores, com ressonância nas almas penadas, nos fantasmas oficiais dos Deputados e Senadores do Congresso Nacional e nas almas dos que também habitaram a Presidência da República, tanto no Palácio do Catete quanto no Palácio da Alvorada e do Planalto, visto que estamos a lamentar que foram eles os que prometeram favores e vida eterna aos nossos penitentes e a nós xiquexiquenses comuns, nos discursos de palanques. Contudo, outras almas não menos comuns pairam no nosso céu cor de anil.
Essas almas de uma minoria de eleitores xiquexiquenses, almas verdadeiramente benditas, pedirão orações aos nossos penitentes, com mais intensidade e fervor, em que pese a salvação já consolidada. Se um penitente daqui de Xiquexique abandonar ou esquecer-se da autoflagelação durante os setes anos da obrigação, contaram-me os antigos que essas mesmas “almas santas benditas” se incumbirão de aplicar nas costas, na região lombar do infiel, a lâmina da “disciplina”, já que o nosso herói estará, de antemão, ensanguentado pelos espinhosos ramos dos faveleiros. Um deles, do bairro das Pedrinhas, confessou-me, a propósito, que o pé de favela é uma árvore daqui do sertão do São Francisco, da família das Euforbiáceas. Adiantando-me, na bucha ou de inopino, se desejarem, que, na sua condição de autêntico penitente, usará a “disciplina” laminada, no estrito cumprimento do seu voto implacável, a partir da quarta-feira até a sexta-feira da Quaresma.
Residi nas imediações da Capela de São Pedro, no bairro dos Paramelos. Localizava-se ali uma Estação, Via Crucis de peregrinação dos penitentes. Na ocasião, aprendi esse bendito:
“Na quinta-feira Jesus com seus discípulos
De oliveira foi pra Jerusalém
Na paz de Cristo, meu Jesus com seus discípulos
Ele padeceu a favor de nós também.
Na hora da ceia, meu Jesus com seus discípulos
Banhando os pés, com grande contentamento
Com grande gosto no Santíssimo Sacramento
Depois de cear, meu Jesus saiu pra o horto
Foi fazer três horas de oração
Os judeus iam à frente com a tropa
Fazendo dele um herói, um capitão.
Beijando o Cristo no seu lado direito
Felicidade, ai meu senhor, divino mestre Jesus te disse:
Eu conheço tua falsidade
Por este beijo que agora tu me destes
Meu Jesus foi surrado realmente
Com tanto sangue derramado pelo chão
Foram tantos danos que sofria meu Jesus
Com sua santa Mãe no seu doce coração
Pegaram meu Jesus e amarraram seus braços
Saiu com ele na rua, ainda Pilatos disse
Tu não és o filho da Virgem?
Porque deixou os Judeus te açoitar?
Depois que judiaram de meu Jesus
Pegaram ele e botaram num troninho
A coroa que botaram na cabeça
Era toda com setenta e dois espinhos
Os espinhos da coroa de Jesus
Seu coração todo cheio de energia
Arrebentou setenta veias de sangue
Que penetravam pelos olhos e ouvidos
Jesus chamou São Simão, São Cirineu
Me ajude a levar esta cruz
Que o peso do madeiro era tanto
Que seus olhos ficaram mortos, sem luz
E São Simão levou a cruz
Um passo, um passo, ai meu Senhor não posso mais
Só quem pode conduzir este madeiro é meu Bom Jesus
Que é um poderoso pai
Eu ofereço, eu ofereço este bendito ao Senhor
Ao Senhor que está na cruz
Por intenção, intenção das almas santas
Que para sempre, para sempre, amém Jesus!”

Após a última estrofe, mais uma vez, a matraca estala ao som de um dos “padre-nosso” entoado pelo responsável pela via crucis do sacrifício penitente, cuja ladainha foi repetida e glosada pelo devotos e acompanhantes:
“Mais outro Padre-Nosso com a sua Ave-Maria.
Mais outro Padre Nosso, com sua Ave-Maria
Para todos aqueles que morreram afogados
Para que Deus Nosso Senhor Jesus Cristo
Dê o Reino da Glória, por esmola”.

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