segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Minha Vida Bancária: AS MERENDAS

De 1964 a 1995, trabalhei como bancário numa instituição financeira federal e, no exercício da minha profissão, percorri os Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Ceará, onde me aposentei, tendo fixado residência em Fortaleza.
Durante esse período de 31 anos assisti e participei de muitas coisas que aconteceram dentro e fora das Agências Bancárias, tendo registrado algumas delas, as quais passo a divulgar, por interessantes.

AS MERENDAS DOS BANCÁRIOS


Juarez Morais Chaves
Iniciei minha vida de bancário numa pequenina cidade do interior da Bahia, para a qual fui nomeado após a aprovação, no ano de 1964, em concurso público. A cidadezinha não tinha energia elétrica nem calçamento nem clube social nem cinema ou seja, não tinha nada. A distração era trabalhar. Trabalhávamos de 08:00 à 12:00 h e das 14:00 às 18:00 e, muitas vezes à noite, por falta de opção, preferíamos ficar na Agência trabalhando sob a luz das lâmpadas Petromax ou na “república” lendo algum bom livro apesar da deficiência da energia elétrica.
Era costume, durante o expediente bancário no meio da manhã e no meio da tarde fazermos um intervalo nos trabalhos para merendar e assim repor as energias gastas. Como na cidade existiam 3 bancos, sendo dois federais e um grande banco privado, alguns botecos em volta dessas agências se arvoravam da condição de lanchonetes e rivalizavam entre si para saber quem mais atrairia, na hora da merenda, a certa clientela formada pela classe dos bancários.
O cardápio era bastante fraco e modesto, pois se limitava a ofertar apenas uns pedaços de bolo, salgadinhos fritos e frios e sanduíches de pão cacetinho. Pra beber somente refrescos, feitos principalmente de limão (limonada) ou os famosos Ki-Sucos. Nada de mesas para sentar e se demorar. Isso não existia. Engolia-se a merenda de pé junto ao balcão pois tínhamos que voltar ao trabalho.
Apesar dessa simplicidade de atendimento era grande a disputa entre as poucas “lanchonetes”, que não ultrapassavam meia dúzia, mas, uma delas teve uma idéia brilhante digna dos melhores estrategistas comerciais. Era a lanchonete de uma senhora de aproximadamente 50 anos e que dali retirava o sustento da sua família.
A grande idéia foi VENDER FIADO, o que hoje chamaríamos de crediário.
Nós, bancários iniciantes, recebendo pequeno salário no fim do mês, somente nesse momento dispúnhamos de um numerário para saldar os compromissos assumidos durante o período. Era nessa data que pagávamos a pensão ou a “república” e as prestações das lojas. Ficávamos no final com pouco dinheiro para as despesas semanais, pequenas farras nos fins de semana e, por isso, acontecia de termos que deixar de merendar por não ter o dinheiro para pagar a merenda naquele dia.
Despertando para essa situação a referida senhora chamou a cada um de nós bancários e fez a seguinte proposta: "Nos forneceria a merenda diária e se precisássemos, também na “república” nos finais de semana e algum tira-gosto.
Cada um de nós teríamos que dispor de uma pequena caderneta na qual anotaríamos o consumo e, no final do mês, quando recebêssemos o salário, saldaríamos a conta. "
A proposta foi aceita de imediato.
A partir daí, os bancários, que a cada dia se distribuíam entre as 5 ou 6 lanchonetes passaram a freqüentar, na sua grande maioria, a lanchonete que estava vendendo a crédito.
Sentindo a ausência dos fregueses as outras lanchonetes ficaram preocupadas e começaram a investigar o assunto vindo a descobrir a grande freqüência diária na lanchonete da referida senhora. Continuando a pesquisa descobriram que o motivo da escolha fora a nova forma de vender a merenda: FIADO, como se dizia naquele tempo.
Não querendo ou não podendo adotar o mesmo sistema de vendas, os outros botecos começaram uma campanha terrorista junto à lanchonete do crediário, pressionando a “inventora” do novo método de que brevemente ela iria tomar tamanho prejuízo que sairia do ramo, ante a possibilidade de ser caloteada pois, os bancários farreavam demais, iriam gastar todo o dinheiro até o final do mês não tendo pois como pagar. Estariam QUEBRADOS.
O melhor mesmo, diziam os concorrentes, era ir vendendo e recebendo, diariamente, após cada consumo.
A pressão foi muito grande e durou um certo tempo; somente sendo encerrada no dia em que a referida senhora do FIADO resolveu cunhar a frase lapidar que fez silenciar todos os concorrentes: “VOU CONTINUAR VENDENDO FIADO SIM, POIS BANCÁRIO TRINCA MAS NÃO QUEBRA”.
Continuou vendendo e quem saiu do ramo foram os outros que não aderiram ao FIADO.

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