sexta-feira, 18 de maio de 2012

Crônica: MINHA VIDA BANCÁRIA

De 1964 a 1995, trabalhei como bancário numa instituição financeira federal e, no exercício da minha profissão, percorri os Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Ceará, onde me aposentei, tendo fixado residência em Fortaleza-CE. Durante esse período de 31 anos assisti e participei de muitas coisas que aconteceram dentro e fora das Agências Bancárias, tendo registrado algumas delas, as quais passo a divulgar, por interessantes. Os nomes dos colegas e das Agências são trocados ou omitidos por questão de ética.

                                                                          

                                                                        O SUMIÇO DA TRENA
                                                                                           Juarez M. Chaves            
O meu trabalho de bancário no ano de 1965 era muito penoso tendo em vista a falta de servidores naquela  pequenina agência do interior da Bahia.
 Contávamos apenas com o Gerente, o Chefe do Setor de Serviços, espécie de sub-gerente e contador, o caixa, o contínuo, o servente e três escriturários, sendo eu, um deles.
Desde o meu primeiro dia de trabalho, junto com mais um colega e por determinação da gerência, fiquei trabalhando no  no Setor de Crédito Rural. Nas épocas do custeio de entressafra a afluência de plantadores de feijão, milho, algodão e mamona era muito grande o que significava época de muito trabalho para nós.
Tínhamos que atender todo esse pessoal dentro da oportunidade necessária sob pena de corrermos o risco de se perder o tempo do plantio e portanto a eficácia do crédito rural.
Assim não tínhamos hora para trabalhar e as vezes enfiávamos pela noite a dentro enquanto tivesse agricultor dentro da Agência. Mas, não obstante o cansaço o resultado era gratificante quando víamos a felicidade estampada no rosto do pequeno produtor com o dinheiro na mão e a certeza de poder tocar a sua lavoura.
Mas, se para o cliente a correria terminava quando ele recebia a primeira parcela do crédito – preparo do solo, compra de sementes e plantio – para nós do crédito rural o trabalho apenas começava, pois, a partir daí teríamos que  fazer a administração do contrato e o acompanhamento, no campo, da aplicação do financiamento.
Pelas normas do crédito rural  as visitas aos imóveis beneficiados pelo crédito deveriam ser feitas por Técnicos Agrícolas, empregados ou contratados pelo banco, coisa difícil de acontecer nas pequenas agências onde esse tipo de profissional era praticamente inexistente.
Por isso nesses casos, para suprir a carência,  a Direção Geral do banco autorizava o Gerente a deslocar qualquer funcionário do Setor Rural para os trabalhos de campo e, nesse ano de 1965 eu fui o escalado para fazer tal serviços, apesar de não ter nenhum conhecimento ou experiência das atividades ligadas à agricultura.
Mesmo assim aceitei o encargo e após juntar os apetrechos necessários ao trabalho - cópias dos contratos, trena de medir, botas e chapéu – meti-me dentro de um jeep willis fretado e parti para essa aventura.
A visita, basicamente, consistia em pegar o cliente em casa  e ir com ele até a roça onde após verificar o preparo do solo e as vezes ate o plantio, usávamos a trena para medir a área plantada. Era um trabalho agradável e fiquei nessa atividade por um bom período, até a época da colheita.
Foi numa dessas viagens para o campo que a trena sumiu. Ficava guardada na bolsa da porta do jeep, sem nenhuma segurança e acredito que no intervalo para o almoço quando o veículo ficava na porta do restaurante sem vigilância, alguém que sabia foi lá e retirou.
Somente dei pela ausência desse objeto quando, já na roça de feijão, precisei fazer uso da mesma para as medições. Tive que me conformar e fazer, desta feita uma medida de olho como costuma fazer o agricultor.
Voltei para a Agência chateado  e o jeito foi falar para o gerente um mineiro da Agência de  Montes Claros  sobre o furto da trena. Conhecedor do meu trabalho e do esforço que a gente vinha fazendo para manter os financiamentos mais ou menos vistoriados, o gerente apenas tomou conhecimento do fato e mandou comprar outra trena para a continuidade dos trabalhos.
Já tendo decorrido algum tempo do sumiço da trena, lá pelos anos  de 1969, estando eu já trabalhando em Pernambuco, sou convidado por um Inspetor do Banco que estava auditando aquela agência para prestar alguns esclarecimentos.
Quando me apresentei o inspetor, sentado diante de uma máquina de datilografia,  foi logo me dizendo que esteve “inspecionando a Agência de .... e, ao sentir a falta de uma trena fora informado de que eu a havia desviado”
Em face disso desejava que eu fizesse os devidos esclarecimentos que ficariam registrados como meu depoimento.
Fiquei indignado com a forma grosseira e mal educada do inspetor tratar o assunto e, procurando acalmar-me, pois  tudo o que eu dissesse ficaria datilografado e os inspetores do Banco daquele tempo eram piores  do que delegados de polícia,  respondi com toda a calma: 
 - Senhor inspetor, eu não desviei nenhuma trena. Na minha terra o verbo desviar tem um sentido ofensivo. A trena foi furtada do jeep em que fazia as vistorias, no ano de 1966, enquanto estava estacionado na porta da pensão no intervalo para o almoço.
Disse mais ainda ao inspetor, com a maior calma e educação que me era possível naquele momento e naquela ocasião: 
 - No mesmo dia do sumiço quando regressei para a Agência, dei ciência do fato ao gerente e não sei porque esse assunto ainda está pendente, pois, imediatamente ele providenciou a compra de outra trena necessária aos serviços de campo."
Continuando, ainda indignado mas, com calma, conclui o depoimento: 
 Informo ao senhor que passei mais de 6 meses no campo em trabalhos de fiscalização dos financiamentos os quais eram feitos, também aos sábados e domingos para que os trabalhos internos da Agência pudessem ter a minha participação ante a tremenda escassez de funcionários. Como a Agência de.... era deficitária aceitei trabalhar sábados e domingos sem ganhar horas extras e nem folgas para que os agricultores não fossem prejudicados por falta de fiscalização do Banco."
E finalizei o depoimento dizendo que apesar de todo o esforço que dediquei aos  serviços de fiscalização no campo, renunciando, inclusive  o pagamento das horas extras trabalhadas e as folgas pelos trabalhos realizados nos finais de semana, assumia o prejuízo do banco e autorizava que  o custo da trena fosse debitado em minha conta de depósitos.
Nada mais tendo a inquerir o inspetor deu por encerrado a entrevista e incluiu no seu relatório o meu depoimento sobre o sumiço da trena, ficando eu no aguardo  não só do débito do valor da trena na minha conta de depósitos mas também uma repreensão ou o que fosse como punição pela perda da trena.
Até o dia da minha aposentadoria não veio nem uma coisa e nem outra  significando que o assunto não era de importância para a Superior Administração do Banco.
No entanto para mim o assunto era importante principalmente pela forma como fui abordado pelo inspetor encarando-me como se eu fosse um desviador de trenas. 
Por isso esperava do Banco  uma satisfação sobre o assunto.

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