Guaracy Teixeira de Castro
Bem-bom, segundo o Aurélio, significa comodidade, bel-prazer. Pois bem, o nosso Bem-bom não faz jus a essa descrição. É lugar arredio situado no interior do município de Casa Nova, na Bahia, mais precisamente a 127 Km da sede municipal, às margens do Rio São Francisco e do Lago de Sobradinho, possuindo coordenadas geográficas 410 49' de longitude Oeste e 90 37' de latitude Sul. Um fim de mundo, na visão dos mais otimistas. As melhores referências são a proximidade com Pau-a-Pique e a quase confrontação com Sento Sé. Referências e tanto! É um deleite para quem gosta de rallye, rafting, bungee jump, mountainbike, trekking e outros esportes radicais, que exigem ao atleta compleição de um "iron man". Mas, existe no mapa, podem crer! E o Dr. Anísio chegava lá.
Dr. Anísio era médico em Casa Nova , por volta dos anos 70. A cada 15 dias tinha a incumbência de ir ao Bem -bom, como "desobriga", para dar um pouco de saúde e conforto àquela população tão carente e sofrida.
De certa feita chega ao seu improvisado consultório um matuto, vindo, possivelmente, de alguma fazenda das cercanias. Ficou ali "plantado" até ser atendida a última consulta, numa paciência que enterneceu o experiente clinico. Findo o expediente, o médico, curioso e com muito "tato", começou uma conversa com o "indigitado". Imaginou se tratar de um dos dois assuntos sobre os quais o matuto mais se constrange: doença venérea e impotência sexual. A razão é simples, médicos do interior desenvolvem uma relação de preponderância sobre o cliente mais humilde e sem instrução, não raro, chegando às raias da ridicularização e mesmo ao desrespeito.
Sabe-se de casos em que um paciente ao indagar ao médico, que o acabara de atender, sobre a doença de que era portador, obteve dele a seguinte resposta:
- Para que o senhor deseja saber?
Vejam só o acinte e desfaçatez deste cidadão! Quanta empáfia lhe acrescentou os bancos acadêmicos!
Com os portadores de doenças venéreas e impotência então se extrapolavam, queriam saber onde ele havia achado aquela "galinha morta" ou quando o matuto envergonhado dizia ter adquirido a doença num assento de vaso sanitário ouvia coisas do tipo: "é melhor procurar outro lugar para dar sua "martelada". Era um tripudiar sem limites. a tabaréu já chegava ressabiado.
Embora o doutor Anísio não fosse homem desses achincalhes, os seus colegas já tinham feito "escola". Por via das dúvidas o matuto chegava na defensiva.
Naquele dia o doutor Anísio estava redondamente enganado. a nosso homem encontrava-se num drama existencial digno de uma análise freudiana ou uma situação, no mínimo, kafkiana.
Depois de muita conversa o médico consegue "arrancar" do paciente a verdadeira causa da consulta.
- Doutor, eu me casei há três meses. Minha mulher acaba de dar a luz a uma linda criança. Eu estou "achando" o tempo muito curto. O que o senhor acha?
Deve ser ressaltado que naquelas paragens "comer a merenda antes do recreio" era coisa impensada e que gerava sérios contratempos. Nisso nem pensar.
O médico - que às vezes funcionava como juiz de paz, conselheiro matrimonial e outras coisas mais, até mesmo como médico - começou a engendrar uma saída, no que foi ajudado pelas circunstâncias.
Depois de pensar um pouco lhe fez a pergunta cuja resposta veio alterar o curso dos acontecimentos.
- Quanto tempo vocês namoraram?
- Uns três meses, doutor.
Ao Dr. Anísio veio então o "estalo".
- Está perfeitamente explicado. Veja só: você a namorou três meses. Ela namorou você três meses, portanto já temos seis meses, com mais três meses de casados tem-se nove meses. Já estava no tempo de vir um bebê por aí.
- O matuto coçou a cabeça, fez e refez as contas e sentenciou:
- Doutor, muito obrigado. Conversar com quem entende é um "descanso" .
Naquele dia o doutor Anísio salvou um casamento e a honra do matuto e sua feliz consorte. Matou dois preás com uma única "badogada", como se costuma dizer no sertão.
A paz e a confiança foram restabelecidas naquele lar e nunca se viu esposa mais fiel nas redondezas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário