O discurso, no Senado, do Senador Roberto Requião em defesa de Lula.
“Oportunismo, irresponsabilidade, ciumeira e ressentimento”
Senador Roberto Requião
Não costumo assinar
manifestos, abaixo-assinados ou participar de correntes. Mas quero registrar
aqui minha solidariedade a Luís Inácio Lula da Silva, por duas vezes presidente
do Brasil.
Diante de tanto oportunismo,
irresponsabilidade, ciumeira e ressentimento não é possível que se cale, que se
furte a um gesto de companheirismo em direção ao presidente Lula. Sim, de
companheirismo, que pouco e me dá o deboche do sociólogo.
A oposição não perdoa, e
jamais desculpará a ascensão do retirante nordestino à Presidência da
República.
A ascensão do metalúrgico
talvez ela aceitasse, mas não a do pau-de-arara. Este, não!
Uma ressalva. Quando digo
oposição, o que menos conta são os partidos da minoria. O que mais conta, o que
pesa mesmo, o que é significante, é a mídia, aquele seleto grupo de dez jornais,
televisões, revistas e rádios que consome mais de 80 por cento das verbas
estatais de propaganda. Aquele finíssimo, distintíssimo grupo de meios de
comunicação “que está fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que
a oposição está profundamente fragilizada”, como resumiu com a sinceridade e a
desenvoltura de quem sabe e manda, a senhora Maria Judith Brito, presidente da
Associação Nacional dos Jornais.
Este conjunto de articulistas
e blogueiros desfrutáveis que faz a “posição oposicionista” nos meios de
comunicação usa uma entrevista que não houve para, mais uma vez, tentar
indigitar o ex-presidente. Primeiro, tivemos o famosíssimo grampo sem áudio.
Mais hilário ainda: a transcrição do áudio inexistente mostrava-se extremamente
favorável aos grampeados. Um grampo a favor. E sem áudio.
Lembram?
Houve até quem quisesse o
impeachment de Lula pelo grampo sem áudio e a favor dos grampeados, houve até
quem ameaçasse bater no presidente.
Agora, este mesmo conjunto de
jornais, rádios, televisões e revistas, esses mesmos patéticos articulistas e
blogueiros querem que se processe o ex-presidente. Não me expresso bem: não
querem processá-lo. Querem condená-lo, pois como a Rainha de Copas, de Lewis
Carol, primeiro a forca, depois o julgamento.
Recomendaria a vossas
excelências que tapassem o nariz, não fizessem conta dos solecismos, da pobreza
vocabular, das ofensas à regência verbal e lessem o que escreve esse
exclusivíssimo clube de eternos vigilantes.
Os mais velhos de nós, os que
acompanharam o dia-a-dia do país antes do golpe de 64, vão encontrar
assustadores pontos de contato entre o jornalismo e o colunismo político daquela
época com o jornalismo e o colunismo político dos dias de hoje.
Embora, diga-se, os corvos de
outrora crocitassem com mais elegância que os grasnadores de agora.
Fui governador do Paraná nos
oito anos em que Lula presidiu o Brasil. Por diversas vezes, inúmeras vezes,
manifestei discordância com a forma de sua excelência governar, com suas
decisões ou indecisões. Especialmente em relação à política econômica, à
submissão do país ao capitalismo financeiro, aos rentistas.
Mas havia um Meireles no meio
do caminho. No meio do caminho, para gáudio da oposição e para a desgraça do
país, havia um Meireles.
É verdade que Lula acendeu
uma vela também para os pobres. E não foi pouco o que ele fez. É preciso ter
entranhados na alma o preconceito, a insensibilidade e a impiedade de nossas
elites para não se louvar o que ele fez pela nossa gente humilde.
Na verdade, no fundo da alma
escravocrata de nossas elites mora o despeito com a atenção dada aos mais pobres
por Lula.
Apenas corações empedrados
por privilégios de classe, apenas almas endurecidas pelos séculos e séculos de
mandonismo, de autoritarismo, de prepotência e de desprezo pelos trabalhadores
podem explicar esse combate contínuo aos programas de inclusão das camadas mais
pobres dos brasileiros ao maravilhoso mundo do consumo de três refeições por
dia.
A oposição –- somem-se sempre
a mídia com a minoria, mas o comando é da mídia — também não perdoa Lula porque
ele sempre a surpreendeu, frustrou suas apostas, fez com que ela quebrasse a
cara seguidamente.
Foi assim em 2002, quando ele
se elegeu; foi assim em 2006, quando se reelegeu; foi assim na crise de 2008,
quando ele não seguiu as receitas daqueles gênios que quebraram o Brasil três
vezes, entre 1995 e 2002, e impediu que a crise financeira mundial levasse
também o nosso país de roldão. E, finalmente, foi assim em 2010, quando elegeu
Dilma como sucessora.
O desempenho da oposição –
isto é, mídia e minoria, sob o comando da mídia — na crise de 2008 foi
impagável. Caso alguém queira se divertir é só acessar um vídeo que corre aí
pela internet com uma seleção de opiniões dos economistas preferidos dos
telejornais, todos recomendando a Lula rigor fiscal extremo, austeridade e
ascetismo dos padres do deserto; corte nos gastos sociais, cortes nos
investimentos, elevação dos juros, elevação do depósito compulsório,
congelamento do salário mínimo, contenção dos reajustes salarial, flexibilização
dos leis trabalhistas, diminuindo direitos dos assalariados.
Enfim, recomendavam, como
sempre aconselham, atar os trabalhadores ao pelourinho, tirar-lhes o couro, para
que os bancos, os rentistas, o capital vadio restassem incólumes e seus
privilégios protegidos. Receitavam para o Brasil o que a troika da União
Européia enfia goela abaixo da Grécia, da Espanha, da Itália, de Portugal.
Lula não fez nada do que
aqueles doutores prescreviam. Em um dos vídeos, um desses sapientíssimos
senhores ridicularizava os conhecimentos macroeconômicos do presidente, prevendo
que o “populismo” e o “espontaneísmo” de Lula levariam o Brasil ao desastre.
Pois é.
A acusação mais frequente que
se fazia, e se faz, a Lula é a de ser “populista”. A mesmíssima acusação feita a
Getúlio quando criou a CLT, o salário mínimo, as férias e descanso remunerados,
a previdência social; a mesmíssima acusação feita a João Goulart quando deu
aumento de cem por cento ao salário mínimo ou quando sancionou a lei instituindo
o 13° salário ou quando criou a Sunab; ou quando desencadeou a campanha das
reformas; a mesmíssima acusação feita a Juscelino quando ele decidiu enfrentar o
FMI e suas infamantes condições para liberação de financiamento.
Qualquer coisa que beneficie
os trabalhadores, que dê um sopro de vida e de esperança aos mais pobres, que
compense minimamente os deserdados e humilhados, qualquer coisa, por modesta que
seja que cutuque os privilégios da casa grande, qualquer coisa, é imediatamente
classificada como “populismo”.
Outra coisa que a oposição
não perdoa em Lula é sua projeção internacional. Quanto ciúme, meu Deus! Quanto
despeito! Quanta dor de cotovelo! A nossa bem postada, e sempre constispadinha
elite, jamais aceitou ver o país representado por um pau-de-arara. Ainda mais
que não fala inglês. Oh, horror!
Divergi de Lula inúmeras
vezes. Quase sempre em relação à econômica. Com a popularidade que tinha, com o
respeito que conquistara, com a força de seu carisma poderia ter feito
movimentos consistentes que nos levassem a romper com os fundamentos liberais
que orientavam — e orientam — a política econômica brasileira.
E que mantinham – e mantém —
o país dependente, atrasado, em processo veloz de desindustrialização.
Pior, as circunstâncias
favoráveis do comércio mundial valorizaram ainda mais o nosso papel de
produtores e exportadores de commodities, criando uma “zona de conforto” que
desarmou os ânimos e enfraqueceu os discursos de quem lutava por mudanças.
Outra divergência que me
agastou com Lula foi em relação à mídia. Era mais do que claro que a lua-de-mel
inicial com a chamada “grande imprensa” seria sucedida pela mais impiedosa e, em
se tratando de um pau-de-arara, pela mais desrespeitosa oposição.
Em breve tempo, as sete irmãs
que dominam a opinião pública nacional cobrariam caro, caríssimo o período em
que fora obrigada a engolir o sapo barbudo. O troco viria na primeira crise.
Conversei sobre isso com o
presidente, que procurou me aquietar e recomendou-me que falasse com um de seus
ministros que, segundo ele, cuidava desse assunto. E o ministro me disse: “Por
que criar um sistema público de comunicação, por que apoiar as rádios e a
imprensa regional se temos a nossa televisão? A Globo é a nossa televisão”,
disse-me o então poderoso e esfuziante ministro.
Pois é.
Quando busco paralelo entre
esta campanha de tentativa de destruição de Lula e as campanhas de destruição de
Getúlio e Jango, não posso deixar de notar que eles, pelo menos, tinham um
jornal de circulação nacional e uma rádio pública também de alcance nacional
para defendê-los. Hoje, que temos?
E o que entristece é que essa
campanha atinge Lula quando ele se encontra duplamente fragilizado. Fragilizado
pela doença, que lhe rouba um de seus dons mais notáveis: a sua voz, a sua
palavra, seu poder de comunicação.
Fragilizado pelo espetáculo
mediático em que se transformou o julgamento do tal mensalão.
Se algum respeito, se alguma
condescendência ainda havia para com esse pau-de-arara, foi tudo pelo ralo, pelo
esgoto em que costumam chafurdar historicamente os nossos meios de
comunicação.
Não sejamos ingênuos de pedir
ou exigir compostura da mídia. Não faz parte de seus usos e costumes. Sua
impiedade, sua crueldade programada pelos interesses de classe não estabelece
limites.
Não é apenas o ex-presidente
que é desrespeitado de forma baixa, grosseira. A presidente Dilma também. Por
vários dias, a nossa gloriosa grande mídia deu enorme destaque às peripécias de
uma pobre mulher, certamente drogada, certamente alcoolizada, certamente
deficiente mental que teria tentado invadir o Palácio do Planalto, dizendo-se
“marido” da presidente.
Sem qualquer pudor, sem o
menor traço de respeito humano, a Folha de São Paulo, especialmente, transformou
a infeliz em personagem, em celebridade. Chegou até mesmo a destacar um repórter
para “entrevistar” a mãe da tal mulher. Meu Deus!
Às vésperas do golpe de 1964,
o desrespeito da grande mídia para com o presidente João Goulart e sua mulher
Maria Teresa chegou ao ponto de o mais famoso colunista social do país à época
publicar uma nota dizendo que na Granja do Torto florescia uma trepadeira.
Torto, como referência ao defeito físico do presidente; trepadeira, como
referência caluniosa à primeira-dama do país.
Alguma diferença entre um
desrespeito e outro?
Esse tipo de baixeza não se
vê quando os presidentes são do agrado da grande mídia, quando os presidentes
frequentam os mesmos clubes que os nossos guardiões dos bons costumes.
Nem que tenham, supostamente,
filhos fora do casamento, que disso a mídia acha uma baixeza tratar.
Pois é.
OBS: Desnecessário o currículo do autor do discurso. Todo brasileiro conhece a postura e a dignidade do Senador Roberto Requião.
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