Juarez Morais Chaves
Em seu livro "Senhor do Bonfim e Bom Jesus de Chique Chique - História de Chique Chique", o nosso pesquisador Professor Cassimiro Machado Neto conta que "...Um grupo de garimpeiros que procuravam ouro e diamante na serra da Gameleira do Açuruá, resolveram procurar uma localidade segura dos ataques dos índios, achando guarida numa ilha. Mais tarde, por volta do ano de 1690 esses garimpeiros conseguiram dos herdeiros do fidalgo Francisco Garcia Dias d’Ávila – Conde da Casa da Torre - permissão para, na ilha, fundar uma comunidade e escolheram o nome do lugar Nossa Senhora de Santa Ana do Miradouro.
Nessa mesma época, à margem do Lago Ipueira, em frente à atual cidade de Xique Xique (BA), o portugues Theobaldo José Miranda Pires de Carvalho estabeleceu a sua fazenda denominada 'Praia'.
Conta-se que um tropeiro que vendia seus produtos aos garimpeiros da Chapada Diamantina, pernoitou defronte à sede da 'Fazenda Praia', na margem do Lago Ipueria e livrando os burros das cargas soltou-os à noite para pastar. No dia seguinte, os burros não foram encontrados e depois de intensa procura, durante dias, foi encontrá-los em plena caatinga, entre cactos chamados xique-xique.
O viajante sentiu no momento intensa dor de cabeça. Ela era tanta que o homem faz uma promessa de mandar erigir ali uma igreja em homenagem a Senhor do Bonfim, se a dor passasse. Ficou curado, de imediato e ergueu no local uma pequena capela em agradecimento ao santo milagroso. Com a notícia, pessoas devotas foram residir nas suas imediações e daí surgiu a cidade de Xique-Xique (BA).
Essa é a famosa "Lenda do Tropeiro" que explica a origem de Xique Xique (BA) e da imagem do Senhor do Bonfim que até hoje é o padroeiro e adorna a bonita igreja da cidade.
Por essa lenda a nossa imagem do Senhor do Bonfim é venerada pelos xiquexiquenses ha 322 anos.
Pois bem, aproximadamente no ano de 1951 a população da cidade de Xique Xique (BA), foi surpreendida, quando chegava para a missa de 7 horas, com a ausência da referida imagem do Senhor do Bonfim, no altar mor da Igreja, onde ali estiva há 261 anos.
Uma grande tragédia abateu-se sobre toda a população que, em pânico, se dirigiu à sacristia da Igreja para saber se o pároco, Padre José de Oliveira Bastos (Pe. Bastos), já tinha conhecimento do acontecido e nesse caso quais as providências que estavam sendo tomadas para localizar a imagem.
O Pe. Bastos mostrou-se surpreso com o sumiço do Santo e, muito preocupado demonstrando para todos os paroquianos que, como eles, também estava atônito e sem saber que rumos tomar vez que ante o tamanho da imagem a retirada da mesma do altar mor só poderia ter sido feita com o concurso de várias pessoas.
Na primeira semana o povo não se conformou com a ausência, na Igreja, da imagem do Senhor do Bonfim e, todas as conversas tinham esse assunto como foco principal. As missas, mesmo seguindo o ritual católico, apresentavam-se para os fiéis como se estivesse faltando o mais importante, não obstante as recomendações do Pe. Bastos no sentido de levantar a moral dos seus paroquianos e infundi-los a esperança de que, com certeza a imagem do Senhor do Bonfim iria voltar para o seu tricentenário lugar.
Com o passar do tempo o povo foi se conformando e aceitando a ideia de que alguém tinha furtado a imagem do Senhor do Bonfim e que esta estaria, a essas horas, enfeitando alguma luxuosa residência em Salvador.
No entanto, sem que o povo soubesse, a imagem estava bem guardada na residência do Cel. Francisco Xavier Guimarães, situada na Praça D. Maximo, retirada que fora para ser submetida e uma pintura geral, vez que estando exposta às intempéries por centenas de anos, mesmo dentro da Igreja, sofrera alguns desgastes e estava com a pintura original bastante gasta.
A Sra. Donana, mulher do Cel. Chico Xavier, desejando restaurar a imagem tão cara ao povo de Xique Xique (BA), incumbira o seu filho único Sr. Otacílio Guimarães, conhecido como Sindú, de providenciar a retirada da mesma de uma maneira discreta mas sem divulgação, pois desejava fazer uma grande surpresa ao povo ao retornar o Senhor do Bonfim totalmente restaurado e com cores novas.
Sindú, certamente em combinação com o Pe. Bastos e o sacristão, da época, juntamente com alguns amigos, levou a imagem para sua casa, tendo antes, feito ao Pároco e ao sacristão, um pedido de total sigilo sobre o assunto, assegurando que em no máximo 15 dias o Senhor do Bonfim estaria novamente no seu particular altar.
A pessoa responsável pela restauração da imagem era a Sra. Iris Roldão, grande artista xiquexiquense, que diariamente dedicava ao Padroeiro uma parte do seu tempo para, na residência do Cel. Chico Xavier, fazer a restauração sem que o povo desconfiasse de coisa alguma.
Como a artista Iris Roldão tinha outros compromissos no seu atelier, situado em sua residência, a restauração da imagem demorou muito além do tempo estimado pelo Sr. Sindu, chegando há mais de 60 dias.
Durante esse período, mesmo desconfiando de que o Senhor do Bonfim não mais estaria na cidade de Xique Xique, o povo fiel não parava de rezar pelo reaparecimento da imagem e eram muitas novenas e terços além de promessas que eram feitas para que, como acontecera no ano de 1690, a milagrosa imagem voltasse ao seu local e ocupasse o seu lugar no altar que ainda continuava vazio. Nem de longe passara pela cabeça do povo adquirir outra imagem, mesmo idêntica, para substituir a que desaparecera.
De repente, surge a notícia de que a imagem do Senhor do Bonfim milagrosamente aparecera na Igreja de Santana, na Ilha do Miradouro.
A principio o povo não quis acreditar mas, após o Sr. Sindu confirmar que a vira num altar daquele Igreja, totalmente restaurada e em cores vivas, a população acreditou e o povo resolveu, ir até a referida Ilha, para em procissão da qual participaria todos os católicos, trazer a imagem para o seu local e rezarem uma missa solene em ação de graças pelo retorno.
O Sr. Sindu, que foi o responsável pela colocação da imagem na Igreja de Santana, na Ilha do Miradouro, tomou todas as providências, inclusive junto ao Pároco e ao sacristão para que a procissão tivesse o êxito desejado ante o milagre do aparecimento, evento dos mais importantes naquele tempo.
O povo, em êxtase, carregou em procissão contrita e cheia de fé a imagem do Senhor do Bonfim até a porta da Matriz, que, com as portas abertas, totalmente iluminada por dezenas de velas e com os sinos em constante badalações, recebeu toda a população da cidade que, emocionadamente assistiu a recolocação do Senhor do Bonfim no seu altar mor.
Estava assim encerrado o mistério do sumiço e o milagroso aparecimento do Senhor do Bonfim no ano de 1951.
Não se sabe o porque de o Pe. Bastos e o Sacristão guardarem por mais de 60 dias, um segredo que tanto angustiou a população de Xique Xique além de pactuarem com a história do aparecimento da imagem na Igreja de Santana na Ilha do Miradouro, quando a informação de que a imagem estava na casa do Cel Chico Xavier recebendo trabalhos de reparação, era muito mais lógica e menos traumática.
São coisas dos homens.