domingo, 10 de abril de 2011

Crônica Xiquexiqueana: CORRIDA DE JEGUES


Juarez Morais Chaves
Os jegues ou jumentos eram animais muito importantes em Xique-Xique (BA), principalmente pelo fato de, por muito tempo, serem os veículos condutores de água potável transportada do Rio São Francisco para as residências.

Na década de 1950, a cidade, no que pese estar à beira do mais importante rio do Brasil, não contava com água tratada e encanada. Quem quisesse dispor água para atender às necessidades básicas tinha que possuir um jegue ou pagar a água aos "aguadeiros" assim denominados os proprietários desses animais que vendiam o precioso líquido.

Naquele tempo, antes do tenebroso cais que enfeia a cidade e quando se podia ter acesso ao rio através das rampas, a maior delas, a do mercado, ficava o dia todo apinhada de jegues encarregados de transportar os barris de madeira ou “carotes” como eram conhecidos, cheios de água até às residências. Cada jegue transportava 4 barris, num total de aproximadamente 80 litros de água. Era a famosa "carga d’água" e esses animais não tinham outra atividade a não ser passar o dia todo indo e vindo das casas para o rio e vice versa, sempre entregando água. No final do dia, após transportar a última "carga d´água" os jegues retornavam à beira do rio para beberem a vontade e levarem para casa, seu alimento, representado por um grande feixe de capim grama, bem verdinho, comprado na beira do rio aos "canoeiros" e que seria degustado, tranquilamente, durante toda a noite.

Afora esses animais trabalhadores, existiam também, outros jegues que nada faziam e passavam todo o tempo perambulando pela cidade, pastando a grama de burro nascida no meio das ruas, ainda sem calçamento. Devido à grande quantidade desses animais na cidade, uns trabalhando o dia todo e outros vagabundando todo o dia, alguém, na década de 1960, teve a idéia de criar uma corrida de jegues como meio de movimentar o domingo dos condutores daqueles animais.

Não custava nada, vez por outra, tirar os bichinhos do descanso dominical e colocá-los um ao lado do outro numa disputa de velocidade. Como não existia um local apropriado como o "prado" aquele destinado às corridas de cavalos na década de 1950, os jegues ficavam emparelhados em frente ao Ginásio Senhor do Bonfim, na Avenida J. J. SEABRA e, dado o tiro de partida, saiam em desabalada carreira, em linha reta, até a beira do rio. Era um trecho bastante conhecido por todos os jegues que diariamente, como ofício de trabalho, faziam esse trajeto e, no final do dia eram recompensados com muita água e um bom feixe de capim.

Dentre os animais concorrentes existia um jumento conhecido como "Obediente", propriedade de um jovem estudante, hoje renomado advogado em Xique-Xique, que ganhava todas as corridas que disputava. Dada a partida "Obediente", honrando o próprio nome, partia numa grande velocidade para a beira do rio, como quem está buscando uma coisa muito preciosa. Era uma carreira só e lá chegando, na frente dos concorrentes, jogava-se totalmente dentro dágua passando a sorver o líquido em grande goles até sentir-se saciado.

Anos mais tarde, quando os condutores de jegues carregadores de água já eram adultos, os animais que concorriam já estavam mortos e o dono de "Obediente" já exercia a nobre profissão de advogado na cidade, descobriu-se o segredo que envolvia as constantes vitórias do campeão "Obediente".

O ilustre advogado, quando menino, a exemplo dos demais condutores de jegues, ritualmente, no final de cada dia de trabalho, levava o seu jegue "Obediente" à beira do rio para encher o bucho de água e carregar o feixe de capim com o qual se alimentaria no decorrer da noite ganhando novas energias para a labuta do dia seguinte. Esse ritual já estava programado na cabeça de "Obediente" e essa última viagem até a beira d'água quando bebia a vontade e trazia o seu alimento, já era interpretada pelo animal como uma recompensa pelo estafante trabalho realizado durante o dia. Além do mais, o seu dono e condutor morava quase no final da Avenida J.J.Seabra e "Obediente" já estava acostumado a fazer, diariamente, aquele trajeto levando água para a residência.

Ocorre que quando a cidade programava uma corrida de jegue para determinado domingo, o pobre do "Obediente" era o primeiro a sofrer, pois, com antecedência de 24 e até mesmo 48 horas, o menino, seu dono, mudava a rotina diária do animal e deixava-o sem comer e sem beber até a hora da prova de velocidade. Esse procedimento pouco ortodoxo, tornava-o mais leve e mais ansioso para correr em busca do alimento e principalmente da água, pois já estava quase desidratado. Ante a fome e a sede que o torturava "Obediente" logo após o tiro da largada já partia com pelo menos 2 corpos de dianteira para os demais concorrentes que não estavam nem com fome e nem com sede.

O percurso, da porta do Ginásio Senhor do Bonfim (largada) até a chegada (beira do rio), já lhe era por demais conhecido o que facilitava chegar muito antes dos demais jegues concorrentes e começar a beber até se fartar.

Todas as corridas em que o jegue "Obediente" participou foi ganha com a utilização dessa artimanha, na época totalmente desconhecida da sociedade protetora dos animais. Cabe aos leitores Xiquexiquenses pesquisarem e descobrir quem era o dono de "Obediente". (JMC- jan/2008)

Um comentário:

  1. Está bastante claro, sem dúvida é o nosso Dr Jorge Nogueira, o Caga Fiel rsrsr

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