FESTA DE SÃO JOÃO EM XIQUE XIQUE (BA)
Juarez Morais Chaves
(parte final)
Enquanto
a família se divertia com os fogos, observando e fiscalizando a “fogueira”, ainda não queimada, era visitada pelos
“derrubadores”, grupos de jovens que moravam no bairro Pedrinhas, nos
Paramelos, na Rua do Perau, etc, ruas da periferia da cidade e que tinham como
diversão, nessa noite, derrubar as “fogueiras” e retirar todos os prêmios.
Eles
chegavam, em pequenos grupos, balançavam o galho enterrado e pressionavam os donos da “fogueira” a
colocarem fogo na pilha de lenha, pois só assim com o fogo queimando a base
conseguiriam quebrar o tronco da “fogueira”. Mas o dono respondia que ainda não
estava na hora e caso houvesse insistência de algum deles tentando subir no
galho era imediatamente rechaçado com o uso do buscapé.
Num determinado momento, o dono da “fogueira”
levado pela pressão e também desejando fazer o uso dos buscapés que estavam
estocados em casa, resolvia colocar fogo na pilha de lenha em volta do galho enterrado
e cheio de presentes. Era o sinal para os derrubadores. Começavam a se
aproximar, pois, calculavam que no máximo, a depender do diâmetro do tronco do
galho, em 1 hora a “fogueira” estaria no ponto de de ser derrubada ou "avançada", como diziam.
No entanto, tentavam
acelerar a derrubada pulando sobre a pilha de lenha, ainda em fogo baixo, e
puxando a “fogueira” inclinando-a para, antecipadamente, colherem os presentes
presos nos galhos mais baixos. Nessa hora e para evitar a derrubada precoce precoce da
“fogueira” ainda “fria”, como se dizia, os buscapés entravam em cena.
Dois
ou três desses fogos, sempre acesos e com os fachos de fagulhas incandescentes
dirigidos, conseguiam manter os derrubadores afastados do tronco da “fogueira”
e forçando-os a esperarem o momento que, por si só, a mesma, destruída na sua
base, pelo fogo, se inclinasse e caísse ao chão. Somente nessa hora, era
permitido o avanço para o saque dos presentes.
Mas, mesmo nessa hora os donos da “fogueira”, sadicamente, continuavam com os
buscapés acesos e dirigidos, agora para o grupo de derrubadores que se
acotovelavam em volta dos galhos na busca de obter as melhores prendas. Procuravam basicamente dinheiro ou outro objeto mais
valiosos, deixando de lado as frutas e pedaços de cana de açúcar que não valiam
as queimaduras de buscapés. Terminado o saque se dirigiam para outra “fogueira”
e assim passavam toda a noite de São João até que não existisse nenhuma
“fogueira” em pé, mesmo as mais modestas e pobres que eram derrubadas, agora,
pelo simples prazer de derrubar.
As
famílias donas das melhores e maiores “fogueiras” sempre tiveram muita
tranqüilidade e segurança no ataque, com buscapés, aos derrubadores, pelo
simples fato de terem absoluta certeza de que os atacados não esboçariam reação
equivalente por não possuírem dinheiro para compra desses fogos que era um dos
mais caros fabricados pelo Seu Romualdo.
Foi com base nessa observação que nos fins dos anos 50 e início dos anos 60, um
grupo de estudantes, 8 a
10 jovens, na faixa dos 16 para 17 anos e residentes nas ruas onde se situavam
as melhores “fogueiras”, resolveu dar uma de derrubadores.
No começo da noite o
grupo saiu visitando e conhecendo todas as “fogueiras” e antes das 20 horas já
tinha elegido a do Seu Tibúrcio (nome fictício), como a melhor, a maior e a
mais bem sortida daquele São João.
Seu Tibúrcio era comerciante e fazendeiro,
residente na Praça D. Máximo e que, sempre, a cada ano, fora dono de uma das
melhores e mais sortidas “fogueiras” da cidade. Naquele ano, contudo
ultrapassou a todos e a sua “fogueira” destacou-se das demais, sendo por isso a
escolhida pelos jovens xiquexiquenses para ser “derrubada”.
Os estudantes, travestidos de derrubadores de "fogueira", fizeram uma
"vaquinha" e compraram 3 buscapés para cada um com os quais
pretendiam reagir ao ataque do dono da “fogueira” logo que a derrubada fosse
iniciada. Seria uma surpresa para a família.
Às 20 horas, quando o fogo foi
aceso, a “fogueira” escolhida foi cercada e iniciado o processo de tentar
incliná-la antes do tronco estar totalmente queimado.
Nessas
tentativas, por serem os "derrubadores" conhecidos do dono da
fogueira, eram timidamente, ameaçados pelos buscapés, permanecendo, os
estudantes, sem reagirem mas como os buscapés escondidos, dentro de cada
camisa. O grupo então decidiu que às 21 horas a “fogueira” seria derrubada de
qualquer maneira. Os derrubadores tradicionais tentaram varias vezes se
aproximar da “fogueira” do Sr. Tibúrcio, mas quando viam a turma de mais de 10
estudantes, desistiam e partiam a procura de uma menos concorrida.
Às 21 horas, um dos estudantes retirou da pilha de lenha um tição em brasa e o
colocou estrategicamente,
afastado da fornalha. Enquanto isso os dois maiores e mais pesados da turma
avançaram decididamente para derrubar a “fogueira”. Nesse momento, sem pena e
nem piedade todo o grupo foi atacado pela família dona da "fogueira",
com vários buscapés.
Imediatamente cada um dos estudantes sacou um buscapé de
dentro da camisa, acendeu no tição em brasa e dirigiu o facho de fagulhas em
direção a casa. Foi uma surpresa e uma debandada geral. Toda a família dona da
"fogueira" correu alvoroçada para dentro da casa e os seus membros
sem entenderem o que estava acontecendo, protegidos pelas paredes, ficaram
assistindo que a turma de estudantes, calmamente, derrubasse a “fogueira” e
retirasse todos os bons prêmios que a ela estavam presos.
E
assim, os estudantes sentiram o prazer que os tradicionais "derrubadores
de fogueiras" tinham só que foi uma experiência sem os riscos das
queimaduras sofridas por eles.
Essa iniciativa dos estudantes não foi bem
aceita pelos demais donos de “fogueira”, pois lhes tirava a imunidade contra os
derrubadores. A partir daí, então, os estudantes não mais podiam encostar numa
“fogueira” que logo eram abordados para que não repetissem a batalha que
tiveram com o Seu Tibúrcio. Contudo a experiência foi primeira e única. Nunca
mais os estudantes derrubaram “fogueiras”.
A
tradição das "fogueiras" ainda permanece viva em Xique-Xique e é mantida pela
família Teixeira, na Fazenda Carnaúba, conforme comprovam as fotos que ilustram
esta matéria e que, gentilmente, me foi enviada pelo amigo Guaracy Teixeira.
EM TEMPO: Lá em minha casa, situada na Praça D. Máximo, nunca tivemos
“fogueiras”, por vários motivos. Em primeiro lugar porque minha Mãe não tinha
recursos financeiros para adquirir o galho de pajeú e muito menos desperdiçar
coisas que necessitávamos pregando-as nos galhos como prêmios aos derrubadores.
Segundo porque tio Custódio irmão de minha Mãe e nosso vizinho de casa,
comemorava naquele dia o aniversário de casamento com muito "comes e bebes" e era lá que a gente ia
festejar o São João. Tio Custódio além de sempre fazer uma das maiores e
melhores “fogueiras” da cidade era pródigo no fornecimento aos sobrinhos de
muitos fogos relativamente inofensivos que eram gastos por nós, sem nenhuma
economia. Não havia razão, pois, para minha Mãe, sua irmã, vizinha e sem
recursos financeiros, tentar fazer uma festa concorrente. Minha Mãe apenas por
tradição acendia na porta de casa uma pilha de lenha de angico que ficava
queimando até se consumir totalmente.