sábado, 12 de setembro de 2009

CRÔNICA: O CAVALO DOURADINHO


O CAVALO DOURADINHO

Xiquexique, nas décadas de 1940 e 1950, apesar de ser uma pequena cidade do interior da Bahia, não possuindo mais do que 5.000 habitantes, exibia um elevado nível cultural além de possuir alguns equipamentos e repartições que os distinguia das demais cidades suas vizinhas, como muitas e importantes repartições federais e estaduais ali sediadas, uma linha regular de transporte aéreo com aviões semanais para Salvador e Belo Horizonte com escalas nas cidades ribeirinhas do Rio São Francisco, além de uma população jovem que se caracterizava por sua dedicação aos estudos do terceiro grau feitos geralmente nas Faculdades sediadas em Salvador.
Por tudo isso não é de se admirar que na década de 1950 Xiquexique possuísse o seu “jóquei clube”. Não tinha esse nome, claro, era conhecido como o “PRADO”. Ficava situado numa pradaria próximo à localidade conhecida como Ponta da Ilha, e se resumia a uma pista de terra batida de aproximadamente 1.000 metros, em forma ovalada, limitada por uma cerca de madeira de aproximadamente 70 cm de altura e que evitava a invasão da pista por parte da assistência. Era ali, nesse rústico "jóquei" que, todas as tarde de domingo aconteciam as disputas entre os melhores cavalos da região, sempre em parelhas devido a pequenez da pista.
Os animais que participavam, não obstante serem os melhores da região, não passavam de simples cavalos crioulos, de vaqueiros, acostumados a correr atrás de bois na caatinga. Por isso em cada páreo, formado por dois cavalos, qualquer um poderia ganhar. Como o resultado era imprevisível as apostas eram feitas empiricamente e na base do palpite. Entre os cavalos que habitualmente estavam presentes no PRADO todos os domingos e normalmente eram os vencedores, distinguiam-se o Dolman de propriedade de tio Custódio e o Lua Nova que vinha da vizinha cidade da Barra. Entre os perdedores, mas também sempre esportivamente presentes nas competições domingueiras, tínhamos um cavalo de Sindú, fazendeiro na cidade e outro de propriedade do Sr. Zeca Tomaz.
Mas, um dia o Sr. Zeca Tomaz, como não ganhava uma, desistiu de participar das corridas e prometeu que somente voltaria ao PRADO se encontrasse um cavalo que pelo menos ganhasse uma de vez em quando. Decidido sumiu do programa domingueiro e tanto procurou que terminou encontrando, dentro da sua própria fazenda um cavalo ainda novo, quase um potro que apresentava todas as aparências de se tornar um grande velocista. Era um animal bastante pequeno e de cor castanho claro, parecendo ouro velho, motivo pelo qual colocaram-lhe o nome de DOURADINHO em homenagem ao valioso metal.
No primeiro domingo em que se apresentou no PRADO para disputar uma corrida, Douradinho exibiu, de imediato uma postura de campeão já demonstrando a todos que estava ali para fazer história nas corridas de cavalo e se transformar no mais famoso corredor de Xiquexique. O seu dono, Zeca Tomaz, contratou como cavaleiro um filho da terra de nome Dermeval, galego sarará, de estatura e peso adequados à missão que lhe estava sendo confiada que se apresentou vestindo uma camisa de seda amarela e brilhante que em contato com o pêlo de Douradinho formava uma perfeita combinação. Dermeval nunca tinha recebido nenhuma instrução de como dirigir um cavalo de corrida, mas isso, com o tempo se tornou desnecessário, pois bastava que ele se mantivesse seguro na sela, a velocidade estaria por conta exclusiva do cavalo. Era um hipismo empírico e sem nenhuma técnica.
Parecendo que fora talhado para ser um campeão, Douradinho quando emparelhado na pista com o seu concorrente mantinha-se calmo, orelhas levantadas na posição de prontidão para bem ouvir o estampido do revolver autorizando a corrida. Ouvido o disparo Douradinho se transformava a olhos vistos e partia numa velocidade tal que parecia ter asas nos pés e, com pouco tempo já colocava uma dianteira que se tornava impossível de ser superada. Suas vitórias, se tornaram tão freqüentes e esperadas que já não causavam emoções aos freqüentadores do PRADO nas tardes de domingo. Também as apostas foram diminuindo e chegaram a quase desaparecerem, pois ninguém queria apostar contra Douradinho. Para provocar nova motivação aos apostadores os donos dos cavalos decidiram criar uma modalidade "sui generis" de competição. O cavalo concorrente perfilava-se na frente de Douradinho, a uma distância acertada entre os concorrentes. Mas, como se viu com o passar do tempo, mesmo dando uma vantagem inicial ao outro cavalo, Douradinho em pouco tempo emparelhava e, logo, logo já estava com uma boa dianteira. Com isso a fama de imbatível do cavalo Douradinho ultrapassou as fronteiras de Xiquexique e passou a ser ponto de honra encontrar um animal que desse um basta àquele pequeno cavalo pé duro, mas que na região ainda não encontrara outro mais veloz. Assim, quando surgiu na cidade agenciadores propondo um grande volume de apostas contra Douradinho, toda a cidade ficou surpreendida e interessada em saber quem era o autor de tamanho desafio. Todavia o nome do cavalo concorrente foi mantido em segredo e quem quisesse apostar teria que ser nessa condição. Como a população de Xiquexique tinha certeza da inexistência de concorrente para Douradinho aceitou as condições impostas pelos desafiadores e muito dinheiro correu.
Na tarde de domingo marcada para o grande embate, a cidade inteira estava no PRADO que se mostrou pequeno para abrigar a platéia que, agora sim, estava torcendo com todo afinco para mais uma vitória de Douradinho. Exatamente às 16 horas, Douradinho como sempre, confiante e compenetrado, tendo como cavaleiro o mesmo Dermeval com sua brilhosa camisa amarela, adentrou a pista de terra recebendo unânime e carinhosos aplausos de todos. A partir daí os apostadores ficaram ansiosos para conhecer o concorrente que ainda não estava no local da peleja. Às 16,30, para surpresa e curiosidade de todos, encosta no PRADO um caminhão baú trazendo em sua carroceria fechada o tão esperado rival de Douradinho. Quando a porta da carroceria se abriu, grande multidão estava postada à frente para conhecer o desafiante. Logo apareceu no umbral da porta um gigante e fogoso animal de pêlo negro, montado por um pequeno homem, que, ao descer, através de relinchos, bufos e coices foi logo dizendo para o que tinha vindo, dirigindo-se de imediato para a linha da largada. Devido ao seu tamanho o povo logo passou a chamar o cavalo de Montanha e, por esse nome ficou tristemente conhecido na cidade por muitos anos.
Já na faixa de largada, Douradinho estava imóvel e ao ser emparelhado à Montanha destacou-se a sua pequenez. Era menor em mais de 50 cm. O concorrente, ao contrário de Douradinho, mostrava-se nervoso, de difícil controle dando enorme trabalho ao montador para mantê-lo parado. O juiz da prova deu sinal de que a corrida iria ser iniciada e pediu o afastamento da pista de todas as pessoas para que ficassem somente os dois cavalos. Dirigiu o cano do revolver para cima e disparou. Era o sinal da partida. Douradinho, como sempre acontecia partiu feito uma bala e já na primeira volta da pista distava dois corpos de Montanha. A assistência vibrava com a liderança de Douradinho e como que querendo acompanhá-lo corria junto a periferia da cerca de madeira contornando a pista.
Mas, as pernas curtas do pequeno cavalo não poderiam concorrer com as longas pernas de Montanha que facilmente, a partir da segunda volta e com passadas longas e coordenadas, começou, perigosamente, a se aproximar de Douradinho. Na terceira volta logo depois dos 800 metros, os torcedores mais experientes constataram que a corrida estava perdida para o cavalo local. Fez-se então, em todo o PRADO, um silêncio sepulcral. Na reta de chegada, os últimos 120 metros para o final, os cavalos já corriam lado a lado, Douradinho já demonstrando estar excessivamente cansado pelo tremendo esforço em se manter na liderança ao passo em que Montanha mantinha-se tranqüilo como se aquela corrida fosse uma brincadeira. Ao cruzarem a linha de chegada Montanha vence com aproximadamente dois corpos de vantagem. A cidade inteira, presente no PRADO, não se conformou com a derrota de Douradinho e o povo parte em direção a Montanha para matá-lo, sendo necessária a interferência da polícia para conter tal gesto de violência. Dermeval, o montador de Douradinho desesperado, saltou da sela, jogou no chão sua jaqueta de seda amarela brilhante e correu fugindo para local ignorado. Douradinho, ficou sozinho na pista parado e de cabeça baixa, confortado apenas pelo dono Zeca Tomaz que, aproximando-se, o abraçou afetuosamente.
Essa foi a última corrida de Douradinho e também a última no “hipódromo” de Xiquexique. Nunca mais aconteceram as divertidas tardes de domingo em que íamos ao PRADO assistir as corridas de cavalo. Douradinho voltou em definitivo para a fazenda de Zeca Tomaz, seu proprietário e nunca mais competiu. Deve ter morrido de velhice. Talvez, tenha sido até mais feliz com seu retorno ao campo.
Quanto ao famoso Montanha, soube-se mais tarde que se tratava de um puro sangue árabe, cavalo profissional acostumado a correr no Jockei de Belo Horizonte. Fora alugado pelos donos dos cavalos perdedores de Xique Xique, especialmente para, em vingança, derrotar o nosso campeão.
JMC/AGO-2006

Um comentário:

  1. Tio Juarez eu e vovó Marly adoramos todas as notícias e as residências de Xique Xique trouxe muitas lembranças para ela. Só que vovó sentiu que não apareceu a casa de vovó Amália.Ambas ficamos na expectativa de ver a casa mas..
    Adoramos a crônica sobre Douradinho e vovó disse que nunca ouviiu falar nesse jóquei de Xique Xique e que quem escreveu não sabe da corrida de jegue que Naziozenio correu de jegue e que vovô Tonho contava que ele perdeu a corrida e chorou muito,vovô Tonho contava isso e achava a maior graça. Um beijo, vovó manda-lhe falar que o senhor continue escrevendo no seu blog essas histórias sobre Xique Xique, e que ela adora,que traz muitas lembranças e muitas saudades.
    Carolina

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