segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Crônica: Minha vida Bancária - O CANÁRIO VERMELHO

De 1964 a 1995, trabalhei como bancário numa instituição financeira federal e, no exercício da minha profissão, percorri os Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Ceará, onde me aposentei, tendo fixado residência em Fortaleza. Durante esse período de 31 anos assisti e participei de muitas coisas que aconteceram dentro e fora das Agências Bancárias, tendo registrado algumas delas, as quais passo a divulgar, por interessantes. Os nomes dos colegas ou personagens e das Agências não são divulgados por questão de ética.



O CANÁRIO VERMELHO

Juarez Morais Chaves
Dr. Faustino Neto era um médico muito conceituado que tive o prazer de conhecer quando, trabalhando numa pequena cidade do interior de Sergipe exercia a Chefia do Setor de Crédito Rural e Industrial da Agência, nos idos de 1969/1970. O querido e conceituado médico, não sendo oriundo daquele Estado, aportara naquela pequena cidade ainda recém formado e por lá se instalou e constituiu família numerosa ao se casar com moça de ilustre tronco sergipano.
Já o conheci sexagenário, mas ainda no exercício da medicina e administrando uma excelente fazenda repleta de capim sempre verde e colonião, na qual criava gado bovino de alta linhagem indiana. Além de criar bovinos o Dr. Faustino tinha como um dos seus passatempos criar, em sua fazenda, animais exóticos de qualquer espécie que nascessem perto dos seus domínios.

Assim quando em visita à sua fazenda tive oportunidade de conhecer vários animais diferentes, tais como um boi com 5 pernas, uma mula que dava cria, um "capote" que cantava como galinha e muitos outros bichos que por qualquer motivo nasceram diferentes do normal. Sabedores do seu gosto por esse tipo de coleção, as pessoas da região já o procuravam para presenteá-lo com esses animais excepcionais que eram mantidos com todo o carinho na fazenda e orgulhosamente mostrados às pessoas quando em visita ao seu imóvel rural.
Um dia, o Dr. Faustino tomou conhecimento de que na cidade existia um cidadão possuidor de um canário da terra de cor vermelha. O inusitado da notícia era pelo fato de que, normalmente, os canários da terra têm as penas de uma cor amarelo ouro. Naturalmente, ante tal informação, o médico ficou excitadíssimo e imediatamente se dirigiu ao endereço que lhe fora dado por um amigo. Lá chegando comprovou a existência da bela ave que pulava sem cessar dentro da gaiola pendurada na parede externa da casa. Ficou parado alguns minutos admirando o pássaro exótico antes de se decidir a ir falar com o dono do canário. Bateu palmas e logo apareceu o dono da casa que de imediato externou a sua satisfação e honra em receber a visita de tão ilustre cidadão.
Dr. Faustino foi direto ao assunto. Disse ao dono do canário que estava disposto a comprar o pássaro por qualquer preço, pois nunca vira um canário da terra vermelho e por isso era digno de participar do rol dos seus animais mantidos na fazenda. O dono do canário respondeu-lhe que o pássaro não estava a venda pois além de ser excelente cantador fora presente de um amigo que o tinha em grande consideração. O médico não se deu por vencido e insistiu que fora até ali e que não voltaria sem o canário. Estava disposto a pagar qualquer valor para colocá-lo no rol dos seus estranhos animais. A insistência foi tanta que ao dono do canário, dado a pressão do ilustre médico, só restou uma alternativa: abrir mão do pássaro.
Então disse ao médico:
- Dr. Faustino eu não posso lhe vender esse canário pois foi presente de um amigo. No entanto como sei que o senhor vai cuidar muito bem dele, com toda satisfação faço-lhe presente do mesmo.
Dr. Faustino não se conteve de alegria. Feito criança retirou a gaiola da parede e no próprio dedo a levou. Dado a raridade da cor das penas do canário iria mantê-lo em sua própria residência. A primeira semana foi de muita euforia naquela casa. Os dias eram alegrados pelo mavioso canto do canário e o Dr. Faustino não se cansava de passar horas admirando a bela plumagem rubi do canarinho.

Na segunda semana as penas começaram a esmaecer e na terceira semana já apresentavam a cor original amarelo ouro.
Dr. Faustino ficou indignado e foi, com a gaiola no dedo, tirar explicações do dono do canário sobre a intempestiva mudança de cor das penas do bichinho. Ficou ainda mais raivoso quando o ex dono lhe informou que empapava as penas do canário com mercúrio cromo para ele ficar diferente do outros canários. Dr. Faustino entendeu aquilo como uma ofensa pessoal e passou de imediato a destratar e maltratar o pobre ex dono do canário, alegando que o mesmo o havia feito de bobo perante toda a cidade e que ele iria pagar por essa humilhação que havia sofrido.
O pobre homem ouviu tudo calado e, quando o médico fez uma pequena pausa , assim falou:
- Olhe Doutor está acontecendo uma grande injustiça, pois foi o senhor que veio até minha casa comprar o meu canário. Eu não o queria vender e nem lhe ofereci para venda. Foi o senhor que insistiu e em nenhum momento me perguntou porque as penas dele eram vermelhas. Portanto o senhor não tem o direito de dizer o que está dizendo e muito menos que lhe causei qualquer humilhação. Muito pelo contrário, abri mão e lhe dei de presente um excelente canário cantador que me foi presenteado por um grande amigo meu. Diga se o canário não é bom?
Caindo em si do que estava fazendo, desacatar o homem na porta da sua residência e sem nenhum motivo, restou ao Dr. Faustino pedir desculpas sobre o que dissera e agüentar, a partir daí, a gozação de toda a cidade sobre a estória do canário vermelho.

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