domingo, 19 de fevereiro de 2012

Crônica Xiquexiqueana: MARINHO CARVALHO - O DESBRAVADOR

O DESBRAVADOR MARINHO PEREIRA DE CARVALHO

Juarez Moraes Chaves
Atualmente a cidade baiana de Xique-Xique, às margens do lendário Rio São Francisco, está ligada a Salvador por uma rodovia estadual, totalmente asfaltada que, se ainda não é das melhores da Bahia está atendendo, com relativo conforto, os deslocamentos da população para a capital do Estado. Asfaltada no ano de 1974 e denominada de BA-52, a entrega dessa rodovia aos xiquexiquenses foi alvo de grande festa popular, comandada pelo então Prefeito Municipal João Durães principal lutador para que essa rodovia que se inicia em Feira de Santana (BA), chegasse até à cidade por ele administrada.

Antes de 1974, os deslocamentos rodoviários para Salvador eram feitos por uma estrada, também estadual, construída no ano de 1950, totalmente encascalhada com piçarra e que nos tempos de chuva transformava-se num sofrimento, principalmente para os caminhoneiros ante os muitos pontos de atoleiros formados pelas águas pluviais.

Mas, essa estrada de barro construída em 1950 quando o Dr. Regis Pacheco governava a Bahia, foi considerada um grande progresso rodoviário, vez que antes dela, as viagens para Salvador se fazia por estrada carroçável passando pela cidade de Jacobina (BA) e enfrentando a perigosa Serra do Tombador, na Chapada Diamantina, famosa pelos constantes acidentes que ali ocorriam com os veículos que se arriscavam a transpô-la.

Mas, a história da rodovia ligando Xique-Xique (BA) a Salvador é muito mais antiga e por isso torna-se necessário contar essa odisséia realizada por um jovem e idealista xiquexiquense que, num sonho utópico resolveu, sozinho e às suas expensas, construir a primeira estrada ligando Xique-Xique à atual cidade de Uibai (BA).

Esse idealista foi o Sr. MARINHO PEREIRA DE CARVALHO, nascido em 03 de julho de 1887, no povoado de Canabrava do Gonçalo, distrito de Tiririca de Luizinho, atual cidade de Uibaí (BA), na época pertencente ao município de Xique-Xique, homem de visão e que hoje, com o seu nome, honra a nossa Estação Rodoviária de Xique-Xique.

Seu Marinho, como era conhecido na cidade, veio ainda jovem para Xique-Xique e nessa cidade dedicou-se ao comércio negociando "secos e molhados", tecidos e pedras preciosas, sem abandonar, contudo a atividade agropecuária na Fazenda Brasil situada em sua terra natal, onde chegou a possuir um engenho para o fabrico de rapadura. Pelo seu espírito empreendedor, mesmo sem nunca haver exercido um mandato político Seu Marinho exerceu liderança e muito influenciou a política partidária de Xique Xique e nunca se conformou com a ausência de estrada ligando Xique-Xique à sua Canabrava do Gonçalo, para que pudesse, com facilidade, escoar toda a sua produção agropecuária. O transporte de mercadorias, naquela época e na região era feito no lombo de burros. Eram as chamadas “tropas de burros”, formada às vezes por mais de 20 animais que deslocavam dezenas de quilômetros durante a semana percorrendo as feiras livres nas diversas comunidades. Cansado dessa vida de andar em lombo de animais vendendo a sua produção de feira em feira, Seu Marinho, tomado por um ideal bandeirante, decidiu que era chegada a hora de desbravar aquela promissora região. E, para isso, necessário se tornava a existência de uma rodovia, mesmo que fosse precária. Assim, no ano de 1926, com apenas 39 anos de idade, Seu Marinho partiu de Xique-Xique com destino a São Paulo, em viagem de vapor pelo Rio São Francisco até a cidade de Pirapora (MG) e a partir dali em viagem de trem de ferro chegou à capital paulista. Naquela grande cidade e sem uma explicação lógica, pois em Xique-Xique, onde residia não existiam rodovias, Seu Marinho adquiriu um caminhão Ford 1926 e um automóvel, e com a ajuda do parente Martinho Carvalho que o acompanhava na viagem, trouxe os veículos para Xique-Xique utilizando como meios de transporte o trem de ferro e os vapores no Rio São Francisco.
A chegada desses carros em Xique-Xique foi um dos eventos mais importantes e comentados pela população. Eram os primeiros que iriam rodar na cidade e a retirada dos mesmos da lancha do vapor foi um espetáculo nunca visto por todos que estavam postados no cais assistindo a perita manobra do motorista Martinho Carvalho que com a devida técnica transpôs a estreita prancha do vapor e subiu a rampa do capim, mais ou menos na altura onde hoje está construído o Mercado Municipal da cidade.
Com os veículos guardados na garagem de sua casa, Seu Marinho solicitou e conseguiu, do Prefeito Municipal Cel. Manoel Teixeira de Carvalho, uma autorização para construir uma estrada ligando Xique-Xique ao povoado de Canabrava do Gonçalo, local do seu nascimento, pois, além de visionário Seu Marinho era, também, fazendeiro e comerciante e assim precisava de um meio eficaz para transportar e comercializar os seus produtos nos vizinhos lugarejos. Conseguida a licença, em março de 1926, Seu Marinho iniciou a gigantesca tarefa de fazer, por conta própria, uma rodovia onde nada existia. Ele próprio fez o levantamento topográfico, sem ser topógrafo, fez um rústico traçado da estrada, apenas indicando os nomes dos locais por onde deveria passar e para isso, inteligentemente utilizou uma antiga rota ligando Xique-Xique à Canabrava, por onde passavam os vaqueiros transportando as boiadas. Precisava apenas, e não era tarefa fácil, arrancar os tocos, alargar e aplainar o caminho, tudo isso utilizando apenas homens inexperientes nesse tipo de trabalho e ferramentas inadequadas onde predominavam os facões, as foices e os machados. Não obstante a precariedade das ferramentas utilizadas, a pequena estrada ligando Xique-Xique à Canabrava do Gonçalo foi concluída no mês de julho de 1926, sendo pois a primeira rodovia construída não só no município de Xique-Xique mas em toda a região do médio São Francisco. Por essa pequena estrada transitou durante vários anos, até que, desejando ampliar os negócios decidiu aumentar a sua rodovia e chegar até à atual cidade de Canarana, naquele tempo conhecida como Canabrava do Miranda. Com essa ampliação Seu Marinho passou a negociar os seus produtos agrícolas junto a diversas comunidades que ficavam a um raio de muitos quilômetros de Xique-Xique.

Pelo grande feito, Seu Marinho passou a ser respeitado e admirado pelo povo xiquexiquense que naquele longínquo ano de 1926 via pela primeira vez, transitando na sua cidade, um caminhão e um automóvel, coisas ainda inexistentes nas demais cidades ribeirinhas do São Francisco.

Eu ainda tive o prazer de conhecer pessoalmente não só o Seu Marinho como toda a sua família, tendo sido, inclusive, colega de Paulo Carvalho (Paulão), um dos seus filhos, no curso primário feito nas Escolas Reunidas Cesar Zama, nos idos de 1950 a 1954. Ele morava numa casa situada na Av. J.J. Seabra, em frente ao César Zama e era comum, ali, a presença dos colegas de Paulo, estando Seu Marinho, relativamente novo, com 67 anos e ainda desfrutando de grande conceito e consideração por parte dos seus conterrâneos.Por tudo isso, nada mais justo e natural que honrar o prédio da Estação Rodoviária de Xique-Xique com o nome de pessoa tão desbravadora e ilustre. Xique-Xique que desde a década de 1960 já vinha sendo servida com linha regular de ônibus para Salvador, após a pavimentação asfáltica da BA-52, no ano de 1974, aumentou o número de empresas de ônibus desejosas de fazerem o transporte de pessoas para a capital do Estado.Isso, então, levou o Prefeito Municipal a entender haver chegado a hora de construir um prédio destinado a centralizar as chegadas e saídas dos ônibus. Era a hora de construir a Estação Rodoviária. Concluído o prédio já era um consenso local de que o nome mais indicado para a Estação Rodoviária seria MARINHO PEREIRA DE CARVALHO, o homem que construiu, por conta própria e em 1926, a primeira estrada de rodagem do município. E, assim a nossa rodoviária foi batizada de TERMINAL RODOVIÁRIO MARINHO PEREIRA DE CARVALHO. Também tem seu nome como patrono de uma praça na cidade de Uibaí (BA), local do seu nascimento.

Seu Marinho faleceu no dia 24.06.1978, aos 91 anos de idade.

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