sábado, 1 de setembro de 2012

Crônica: Minha vida Bancária: ESCULTURA CURIOSA


     De 1964 a 1995, trabalhei como bancário numa instituição financeira federal e, no exercício da minha profissão, percorri os Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Ceará, onde me aposentei, tendo fixado residência em Fortaleza. Durante esse período de 31 anos assisti e participei de muitas coisas que aconteceram dentro e fora das Agências Bancárias, tendo registrado algumas delas, as quais passo a divulgar, por interessantes. Os nomes dos colegas e das Agências não são divulgados por questão de ética.

                                    ESCULTURA CURIOSA.                                                                             Juarez M Chaves

No ano de 1986, respondia, na  Direção Geral do Banco onde trabalhava, pela administração da  gráfica da Instituição.
A gráfica  era uma das maiores existentes na cidade, possuindo grandes impressoras e demais equipamentos necessários não só à impressão de todo o material de expediente  do Banco mas também à edição de livros e revistas. 
       Foi uma experiência sui generis e um desafio muito grande e importante para mim,  pois àquela altura da minha vida profissional e que sempre trabalhei nas áreas operacionais, entendia de tudo que fosse técnica bancaria menos de  gráfica. 
       Mas, acostumado a enfrentar todos os obstáculos que apareciam na minha vida e cônscio de que não iria operar nenhuma máquina gráfica mas apenas dirigir pessoas e a partir daí obter resultados, aceitei com muita disposição a incumbência que me foi dada por meus superiores e mergulhei no trabalho. 
      Com menos de um ano dentro da gráfica já estava familiarizado com todas as atividades e procedimentos relacionados com a impressão em papel. Humildemente comecei a conversar com cada um dos funcionários gráficos encarregados dos diversos setores e a partir daí fui colhendo informações que muito me ajudaram a entender e administrar o parque gráfico por mais de 2 anos.
O prédio da gráfica possuía 2 pavimentos nos quais se alojavam os dois grandes  blocos de atividades. No pavimento superior ficava o cérebro da gráfica, ou sejam as atividades de planejamento e de confecção de tudo aquilo que fosse servir para a elaboração dos fotolitos. Ali se faziam os textos e os filmes de todo o material a ser impresso, de confecção de  formulários a edição de livros.
No pavimento inferior estavam todos os equipamentos que iriam transformar os fotolitos em formulários, revistas ou livros. Era a parte executiva da gráfica. Ali estavam afixados as impressoras, as colecionadoras, o prelo, a encapadora, a guilhotina, etc.
Era o pavimento mais animado e onde se podia ver a produção surgir como que milagrosamente, das mãos dos bancários que ali trabalhavam e também a área menos confortável da gráfica pelo fato de não possuir ar condicionado e o calor ser exacerbado com o funcionamento dos diversos equipamentos ali instalados.
Eu passava o dia, praticamente, fora da minha sala. Ora estava circulando no pavimento superior ora estava andando por entre os equipamentos da parte térrea da gráfica e, nessas andanças, além do prazer de ir acompanhando cada fase da produção ia, também aumentando o meu conhecimento sobre os assuntos relacionados com a gráfica a medida que conversava com cada um dos operadores das diversas máquinas. Dedicava muito tempo a conversar com cada operador e assistir ao funcionamento das impressoras, do prelo e da máquina de encapar livros.
A máquina de encapar livros era a mais problemática e a que mais manutenção consumia, por se tratar de um equipamento já bastante usado e tido por alguns como já obsoleto. Mas, como era indispensável à edição de livros e, como uma nova estava fora de cogitação ante o elevado preço, o jeito era tratá-la com todo o carinho que merecia. Como o uso da encapadora era muito intensivo pela grande quantidade de livros que o Banco se propunha a editar, dos mais variados autores cearenses, quase que diariamente estava ao seu lado um técnico para que não a deixasse entrar em pane.
Dentre os dispositivos da maquina de encapar o que mais dava preocupação ao técnico era justamente o “coleiro” ou seja o recipiente aquecido  onde eram colocados os pedaços de uma cola branco-amarelada que aos poucos ia se derretendo e quando estava liquefeita era passada no dorso do livro para colar a capa. 
O “coleiro” já era bastante velho e apresentava furos em alguns lugares permitindo assim que parte da cola fundida vazasse pelo orifício e se perdesse no piso da gráfica. Para evitar esse prejuízo o técnico se esforçava para vedar o furo no “coleiro”, mas, devido ao intenso calor tornava a se abrir e a cola reiniciava a pingar no chão da gráfica.
Já cansado de tentar vedar o buraco o técnico desistiu e resolveu colocar um papelão embaixo do “coleiro” para aparar os pingos de cola que saiam pelo buraco e iam se solidificando a medida que esfriava. Quando o papelão contasse com uma certa quantidade de cola, já solidificada e fria, era retirada, cortada em pequenos pedaços e  novamente colocada no “coleiro”, onde recomeçava todo o processo de vazamento. No entanto, desse modo, ter-se-ai mais trabalhos mas se evitaria o prejuízo da perda da cola, insumo dos mais caros na gráfica.
Estava eu nas minhas andanças pela parte térrea da gráfica quando me deparo com o operador da encapadora se preparando para retirar um volume de cola, grudado no papelão, para ser novamente picotado e lançado no “coleiro”. Ao ver a forma interessante como a cola  esfriara pedi ao operador que não a cortasse pois gostaria de, por enquanto, manter aquela cola na forma em que se solidificara. 
Mostrei a “escultura” a diversos funcionários da gráfica  e mesmo a alguns funcionários do Banco que não trabalhavam na gráfica e não tinham conhecimento nem da cola e nem do defeito da encapadora. Todos ficaram impressionados com a forma tomada pela cola vazada e, sem saber a origem dava, cada um, sua impressão a depender do ponto de vista observado.  Alguns chegaram até mesmo considerar como uma escultura moderna.
Satisfeito com as respostas resolvi manter a “escultura” em cima da minha mesa de trabalho e a cada um que chegava em minha sala divertia-me com as considerações da visita sobre a “escultura”. Não tinham a menor idéia de que aquilo que admiravam eram pingos solidificados de cola para capa de livros que, por defeito da encapadora, vazaram do “coleiro”.
Os conceitos e as observações que eram feitos variavam de acordo com o grau de instrução de cada um que visse a “escultura”. Até que um dia visitou-me uma colega tida por todos como profunda conhecedora das artes plásticas. Não sei se veio por acaso ou por indicação de alguém que tenha lhe informado da existência de uma escultura diferente na minha mesa.
Chegou e, como quem não quer nada passou a olhar a “escultura” com um ar de muito interesse. Como fiquei em silêncio, tomou a iniciativa de me perguntar onde havia adquirido peça tão bonita. Para não decepcioná-la disse-lhe que fora presente de um amigo meu. A partir daí ela começou toda uma aula sobre os vários estilos na arte de esculpir. Elogiou o estilo da “escultura” e se impressionou com o material usado. Deveria ser algum novo produto que ainda lhe era desconhecido. Ficou muito impressionada com a obra e chegou a dizer-me que não deveria deixá-la sobre a minha mesa sob o risco de ser furtada por alguém.
A colega ficou tão impressionada com a “escultura” que não tive coragem de contar-lhe a verdade, preferindo que a mesma ficasse com a impressão e a certeza de haver conhecido uma obra de arte e haver passado para mim uma importante aula sobre os escultores e seus estilos, assunto que era da sua especialidade. 

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