quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

CRÔNICA: A FESTA DE 1º DE JANEIRO EM XIQUEXIQUE


O 1º de Janeiro em Xiquexique nos anos 1950

Não sei como hoje transcorre a festa de 1º de janeiro em Xiquexique, pois, estando residindo em outra cidade e em face das obrigações profissionais e familiares há mais de 40 anos não participo dessa homenagem ao nosso padroeiro Senhor do Bonfim. Mas, na década de 1950, em cada 31 de dezembro desse decênio, encerravam-se as novenas do Senhor do Bonfim. A liturgia em cada uma dessas noites de encerramento era rica em simbolismo e pródiga em solenidade, com orações cantadas e muito incenso subindo aos céus em agradecimento às graças obtidas e rogando novas bênçãos para o ano entrante.
Após a última novena, o povo postava-se à porta do Templo para assistir ao “show” pirotécnico que era produzido por centenas de adrianinos e foguetes de vara fabricados por Seu Romualdo que, subindo paralelos à torre da Igreja, sob o comando de Caxixe, iluminavam totalmente a noite da Praça D. Máximo e enchia o ar de explosões, conhecidas e queridas por todos. Após a cessação dos fogos de artifício, em torno das 20:30 horas, as pessoas mais idosas se dirigia para suas residências e ficavam à espera da benção da meia noite. Outros, no entanto, principalmente os mais jovens e os estudantes, permaneciam no jardim da Praça em bate papo com os amigos até a hora em que começaria o pequeno baile no Clube Recreativo 7 de Setembro, situado na Rua Marechal Deodoro ou como era conhecida a Rua da Sete. Era realmente um pequeno baile, pois, terminava no máximo à meia-noite, hora em que toda a cidade participava da benção do Santíssimo realizada na Igreja Matriz, pois era o momento em que o sacerdote abençoava os fiéis e invocava a Deus o derramamento de graças para o ano que chegava. Logo após a bênção, tempo suficiente para os fiéis chegarem em casa, a nergia elétrica era desligada e a cidade ficava às escuras, mas, isso não impedia que as pessoas já em casa, ali realizassem a famosa ceia da meia noite, à luz de velas e candieiros a querosene.
E, aí, residia a grande diferença. Xiquexique não tinha o famoso “réveillon” como se conhece hoje e que celebra a virada do ano. A noite do dia 31 de dezembro para 1º de janeiro era destinada ao descanso da população que, após 9 dias de intensas e solenes novenas, recolhia-se, logo após a ceia da meia noite para estar bem disposta no dia seguinte para a grande festa da cidade: o 1º de janeiro. E, as atividades desse dia começavam cedo com a alvorada às 5 horas da manhã, quando os sinos tocavam anunciando o primeiro dia do ano e pipocavam os primeiros foguetes de vara fabricados por Seu Romualdo.
Parodiando o hino baiano que diz, “Nasce o sol a dois de julho, Brilha mais que no primeiro, É sinal que neste dia, Até o sol é brasileiro.”, podemos dizer que no dia 1º de janeiro era o dia em que o Sol nascia mais bonito em Xiquexique. Talvez fosse apenas por uma questão psicológica causada pelos semblantes de alegria e muita fé estampados nos rostos de todos os xiquexiquenses desde o momento em que acordavam. Era 1º de janeiro, data da maior festa da cidade. Momento em que todo o povo se reunia na Igreja para homenagear Senhor do Bonfim.
Nesse dia todos os xiquexiquenses, sem exceção, estavam envergando vestuário novinho em folha, incluindo os sapatos. Não se admitia, e isso era uma questão cultural, que alguém se apresentasse às Missas daquele dia, principalmente a de 9:00 horas em trajes que não estivessem sendo usados pela primeira vez, independente da categoria social e financeira de cada um.
As pessoas mais idosas e que gostavam de participar de uma Missa menos festiva escolhiam a celebrada às 7:00 da manhã, pelo Padre José de Oliveira Bastos – Padre Bastos. No entanto, a grande população com toda certeza e de roupa nova, estaria presente na Igreja Matriz para a Missa solene das 9:00 horas concelebrada pelos Padre Bastos e Padre Honório Rocha. Também era o dia de glória para Caxixe um negro velho e de idade indefinida, que desde muito tempo era o encarregado de administrar os fogos que lançados no decorrer da Missa. Caxixe, que já passara os dias das Novenas encarregado do foguetório, postava-se na porta da Igreja a partir das 8:00 horas, também usando calça e camisa brancas, novíssimas, aguardando que o sacristão acionasse os sinos da Matriz anunciando a primeira chamada para a Missa das 9:00 horas, ocasião em que lançava aos ares a primeira leva de foguetes de vara de fabricação local. Essas primeiras badaladas eram ouvidas por toda a população, principalmente por estar esperando e por serem seguidas com o estouro dos rojões lançados por Caxixe. A partir desse momento as pessoas começavam a chegar ocupando os bancos da Igreja garantindo assim um confortável lugar para a celebração das 9 horas. Às 8:30 horas novo repique dos sinos anunciando que faltava apenas 1/2 hora para a Missa e, novamente Caxixe, tição de fogo na mão, lança nova bateria de foguetes, ratificando e reforçando o segundo aviso dado pelo sacristão. Nesse momento aumentava a afluência dos fiéis que adentrando à Igreja procuravam ocupar os bancos ainda desocupados. Os homens que eram minoria dentro da Igreja, postavam-se sobre a calçada do jardim e ali, fumando e em franco bate papo com os amigos, esperavam, pacientemente a chegada das 9:00 horas. Finalmente o relógio da Matriz badala 9:00 horas. Antes que o relógio termine de anunciar as horas, os sinos da torre repicam com toda a força despendida pelo sacristão e Caxixe, levado pelo entusiasmo do momento capricha no foguetório. Era uma grande queima de fogos. Nessa hora a Igreja não mais dispunha, sequer, de um lugar desocupado e é grande o número das pessoas que estão em pé ocupando inclusive as calçadas do Templo e nessa posição deverão ficar quase duas horas.
Concomitante ao silêncio dos sinos e dos foguetes, saem da sacristia em direção ao altar do Senhor do Bonfim os sacerdotes celebrantes Padre Bastos e Padre Honório, ricamente vestidos com todos os paramentos exigidos e usados nas Missas solenes celebradas antes do Vaticano II. No interior da Igreja, não obstante a grande multidão, reinava um profundo e respeitoso silêncio. Os padres, após a saudação ao povo, viravam as costas para os fiéis e começavam a Missa na antiga liturgia. Tudo era em latim e o povo apenas ouvia as leituras feitas pelos celebrantes, sem nada entender. Todavia, o entendimento, para os fiéis, não era tão necessário pois estavam ali apenas homenageando o Senhor do Bonfim e para isso bastava a presença e a reza individual de cada um, enquanto os padres celebravam em latim.
Contudo, havia um momento em que a atenção de todas as pessoas voltava-se para o altar. Era quando, terminada a leitura do Evangelho, também em latim, o padre se virava para o interior do Templo e dirigia aos fiéis algumas palavras sobre o que acabara de ler. Era, como se chamava na época, o sermão do padre. Normalmente o sermão da Missa das 9:00 horas era feito pelo Padre Honório Rocha, xiquexiquense radicado em Petrolina (PE) mas que nunca deixou de estar presente na festa do Senhor do Bonfim. Padre Honório além do seu porte atlético, educação e permanente simpatia era detentor de grande cultura, exímio orador e os seus sermões se estendiam por pelo menos 1 hora. Mas, isso, também não era problema, pois, passados os primeiros 20 minutos do entusiasmo com a presença do Pe. Honório, as pessoas que estavam sentadas nos bancos retornavam às suas orações particulares e individuais e deixavam de prestar atenção ao sermão. As que estavam em pé no fundo da Igreja, por falta de bancos e as que assistiam a Missa na calçada do jardim, iniciavam com o vizinho um bate papo ou iam ao exterior do Templo fumar um cigarrinho enquanto o Padre falava.
Terminado o sermão a Missa voltava ao rito normal e novo ápice acontecia quando da consagração e elevação do Santíssimo, momento em que os sinos voltavam a tocar intensamente e Caxixe liberava outra bateria de foguetes de vara, provocando um barulho ensurdecedor e grande fumaceira em toda a Praça D. Máximo. Os momentos mais solenes da Missa eram embelezados pelo coral das cantoras voluntárias acompanhadas pelo afinado violino de Nei Barreto e o famoso bandolim de Custódio Moraes. Aproximadamente às 11:00 horas encerrava-se a Missa com todo o povo dando vivas ao Senhor do Bonfim e desejando aos amigos ali presentes muitas alegrias, paz, saúde e grandes realizações no ano que se iniciava. Nesse momento Caxixe liberava a última bateria de fogos de artifício e o povo postado na porta da Igreja, acompanhava, com entusiasmo cada foguete que subia e cada adrianino de três tiros que explodia. Após o “show” promovido por Caxixe, que sempre estava com um sorriso nos lábios, todos se retiravam para suas residências onde os esperava um lauto almoço regado a vinho e peru com a participação de toda a família. Quem não tinha peru matava uma galinha caipira, cria do próprio quintal e festejava, do mesmo jeito, a entrada do novo ano. A tarde era para um merecido descanso, pois ainda estavam por vir a procissão das 17 horas com a imagem do Senhor do Bonfim e os grandes bailes a partir das 22:00 nos clubes locais
A procissão do Senhor do Bonfim, realizada a partir das 17:00 horas, era uma das solenidades mais bonitas que aconteciam no primeiro dia do novo ano. Encarregada de manter a disciplina dos participantes, D. Pulu organizava duas filas paralelas que ladeavam o andor do Santo Padroeiro por todo o trajeto que, saindo da Igreja seguia pela Rua Marechal Deodoro (Rua da Sete) para no final entrar na Rua Góes Calmon (Rua Grande), seguindo até a Avenida J.J. Seabra que era percorrida até o final e por ela retornando para a Praça D. Máximo que após ser circundada dava acesso à porta central da Matriz onde, finalmente, o povo se aglomerava para assistir ao encerramento dos festejos comemorativos do Senhor do Bonfim. Durante todo trajeto os fiéis entoavam cânticos religiosos com predominância do hino do Senhor do Bonfim, que difere do hino do Senhor do Bonfim de Salvador.
Com o encerramento dos atos religiosos o povo retornava aos seus lares para jantar e aguardar os dois grandes bailes que começavam a partir das 22:00 horas no Clube Recreativo Sete de Setembro e no Clube Beneficente dos Operários. Como já se falou antes esses eram os bailes mais importantes da cidade onde com toda certeza estaria presente a totalidade das famílias xiquexiquense. As mulheres estariam usando vestidos novos e suntuosos, geralmente de tafetá e os homens, mesmos os jovens estudantes, usando paletó e gravata. Por esses trajes pode-se aferir a importância desses bailes. Todos os casais adquiriam mesas nos clubes para que junto com os filhos e filhas ficassem comodamente instalados e, para quebrar a rotina a diretoria do Clube Sete de Setembro, na festa do dia primeiro de janeiro, costumava contratar uma pequena orquestra de outra cidade e o “jazz”, conjunto local ficava encarregado de tocar no Clube Operário. E, como eram os eventos mais importantes da cidade a Prefeitura Municipal permitia que a energia elétrica, que nesse tempo era fornecida por um motor a óleo até à meia noite, ficasse iluminando a cidade até o final dos bailes que normalmente se estendia até às 03:00 horas, em perfeita paz e tranqüilidade com cada pai e mãe se divertindo e ao mesmo tempo assistindo a diversão dos filhos e filhas.
E assim transcorria cada dia 1º de janeiro em Xiquexique. Era um dia intenso de festas religiosas e profanas nas quais se envolviam todas as famílias, independente da categoria social ou profissional de cada uma.
ERA ASSIM O PRIMEIRO DE JANEIRO EM XIQUEXIQUE.

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