sexta-feira, 5 de março de 2010

Crônica: As Professoras e a Palmatória

AS PROFESSORAS DE XIQUEXIQUE E A PALMATÓRIA

A palmatória, introduzida no Brasil pelos Padres Jesuitas como forma de disciplinar os índios, foi o instrumento de punição mais utilizado no mundo. Em alguns países do oriente ainda é utilizada nas salas de aula e, por incrivel que pareça, a Inglaterra, somente no ano de 1989 veio a retirá-la das salas de aula.
A prática introduzida pelos Jesuitas foi continuada pelos senhores de engenho para castigar os escravos rebeldes e no final do sec.XIX a palmatória migrou para as salas de aula das escolas brasileiras.
A questão da disciplina dos alunos nas salas de aulas das escolas primárias na primeira metade do século passado é familiar para todos aqueles que hoje têm mais de 60 anos, tanto para os professores, caso ainda tenha algum vivo, como para os alunos que hoje, senhores e senhoras sexagenárias, ainda guardam na lembrança episódios relacionados aos castigos corporais impostos pelas professoras e professores da época. Desde que comecei a estudar em Xiquexique, quando fiz o curso primário nas Escolas Reunidas Cesar Zama, período de 1950 a 1954, convivi e me acostumei com a existência de castigos corporais nas salas de aulas, impostos aos alunos desobedientes, malcriados, sujos e que não estudavam, tendo presenciado e passado por inúmeras situações de repressões e castigos os mais diversos. Além da minha professora do curso primário Profa. Profa. Divininha, também minha mãe, Profa. Neném Custódio, e demais professoras do Cezar Zama, sempre comentavam sobre esses alunos como se fossem verdadeiros capetas, a infernizá-las na sala de aula. Esses castigos corporais, eram até incentivados pelos pais e pela própria direção da escola, que considerava como melhores professoras aquelas que conseguiam maior silêncio e imobilidade dos alunos na sala de aula.
A verdade é que, na Escolas Reunidas Cézar Zama, O PRÉDIO, única escola pública existente em Xiquexique nos anos 1950 e onde estudaram os 5 anos do curso primário todos os xiquexiquenses hoje na faixa etária de 65 anos ou mais, todas as professoras puniam os alunos, por indisciplina ou falta de aproveitamento, com aplicação de castigos corporais. De um modo geral, esses castigos eram representados por “bolos” nas palmas das mãos, dados com uma palmatória ou uma régua de madeira. Existiam algumas professoras que gostavam de bater mais do que outras. Existiam, também algumas professoras que ao invés de elas próprias aplicarem o castigo, deixavam essa tarefa a cargo do aluno que tivesse acertado a questão errada por outro colega. Mas, sempre havia o castigo corporal. Esse negócio de não se castigar em sala de aula não existia. Minha mãe, a Profa. Neném Custódio, usava como instrumento de castigo uma régua de madeira com 50 cm de cumprimento por 5cm de largura que era utilizada, também, para, batendo sobre a mesa, manter o silêncio na sala.
Além do castigo corporal aplicado com a palmatória ou a régua de madeira, algumas professoras, a minoria realmente, além da punição com os “bolos” nas palmas das mãos, ainda impunham um novo tipo de castigo que consistia em colocar o aluno indisciplinado de pé ou de joelho, ao lado da mesa do professor e de frente para a classe, por um certo período de tempo ou mesmo durante toda a aula.
Num determinado ano que não mais me lembro, após 1954, pois eu já havia concluído o curso primário, chega em Xiquexique a determinação de que a Secretaria de Educação da Bahia não mais iria permitir o castigo corporal de alunos em sala de aula. A professora que a descumprisse seria punida exemplarmente. Essa nova ordem pegou as educadoras de surpresa e despreparadas para enfrentar a nova situação. Perguntavam-se como iriam conseguir que o aluno aprendesse ou se comportasse em sala de aula sem a punição exemplar. Extinto o castigo os alunos, principalmente os mais “danados” iriam ficar com toda a corda para conversarem o tempo todo em sala de aula e não aprenderem o “ponto”. Foram reuniões e mais reuniões que fizeram para chegar a um bom termo. No entanto, apesar da nova norma da Secretaria de Educação, as professoras mais antigas, incluindo minha mãe, a Profa. Neném Custódio, decidiram que não iriam abandonar a pedagogia da palmatória. Naturalmente os “bolos” somente seriam aplicados naqueles alunos mais indisciplinados e menos estudiosos que não se conscientizavam com os conselhos dados em sala de aula e que não atendiam nem mesmo aos pais. Fizeram consenso nesse sentido.
Começado o novo ano letivo, já dentro da nova pedagogia, as professoras, durante os procedimentos de matrículas dos alunos, normalmente se dividiram entre as que concordavam com a eliminação total dos “bolos” e as que continuavam admitindo a necessidade do castigo corporal em menor escala. As primeiras compostas pelas professoras novas ou recém formadas eram a maioria absoluta do corpo docente e por isso eram as mais procuradas pelos pais dos alunos. Existiam, contudo, alguns pais que, ainda acreditando na eficácia dos “bolos”, procuravam as professoras dispostas a manterem a velha metodologia de ensino e, quando advertidos de que deveriam procurar as professoras mais nova e dispostas a acatarem a orientação da Secretaria de Educação, respondiam alto e bom som: “Não professora eu quero matricular meu filho é com a senhora pois esse malandro só estuda se levar uns bolos. Pode bater que não faz mal”.
E, com essa determinação dos pais as professoras veteranas do Cezar Zama, continuaram a usar a palmatória e a régua até quando se aposentaram.
Não tenho como medir o aproveitamento e os níveis de conhecimentos apresentados pelos alunos submetidos a essa diferença de metodologia. Afirmo apenas que os ex-alunos das professoras que continuaram a utilizar a palmatória e a régua tornaram-se cidadãos responsáveis e competentes nas suas áreas de atividades. Particularmente, não conheço nenhum que tenha ficado traumatizado ou constrangido com os “bolos” recebidos durante o curso primário feito em Xiquexique. Também quero registrar que as professoras, naquele tempo, eram pessoas altamente respeitadas e queridas não só pelos pais, mas também e principalmente pelos alunos que, muitos anos após terem concluído o primário, já exercendo as mais diversas atividades profissionais continuavam a manter uma profunda consideração com a ex mestra e sempre que tinham oportunidade faziam-lhe visitas.

Um comentário:

  1. Concordo com uma réguada ou duas quando merecidas. Penso que deveria voltar às nossas escolas com muita moderação e sentido de justiça. Evitava muita tragédia e sofrimentos maiores. Não é agradável, é verdade, mas não é o fim do mundo.

    A minha professora até nisso era mestra. Tinha uma régua pequena e quando a situação o justificava usava-a para dar a tal palmada que praticamente não doia mas tinha um efeito dissuasor. Era uma senhora muito sensível e percebia-se que tinha a preocupação de não nos magoar. E sabia dar mimo. Em quatro anos deu-nos muito mimo e umas dúzias de réguadas maternais. Agradeço-lhe umas e outras.

    Na sala de baixo era palmatória de caixão à cova. Ouvia-se o estalar da régua que parecia não ter descanso. E bofetadas a todo o momento e por tudo e por nada.

    Realidades tão diferentes…

    ResponderExcluir