quinta-feira, 30 de junho de 2011

Crônica Xiquexiqueana: A RIFA DO BOI PINTADO


RIFA DO BOI PINTADO

Juarez Morais Chaves
Além das festas religiosas da sede do Município de Xique-Xique (BA)., o dia 26 de julho era também dia de muita reza para os adultos e de muita diversão para as crianças e adolescentes, vez que nessa data festeja-se a Senhora Sant'Ana, avó de Cristo e padroeira da Ilha do Miradouro. A festa em si será, oportunamente, relatada vez que nesta crônica pretende-se apenas contar a história do boi pintado.

Transcorria a década de 1940 e a pequena igreja de Senhora Sant'Ana, da Ilha do Miradouro estava bastante deteriorada e necessitando de um urgente trabalho de recuperação. Não havia interesse do dono da Ilha, Cel. Litercílio Rocha, em gastar dinheiro recuperando o templo. Achava que somente o fato de permitir o ingresso dos romeiros em suas terras já era mais do que suficiente para ganhar o reino dos céus. Debalde foram os pedidos dirigidos a Belo Horizonte, local da residência do referido coronel e dono da Ilha para que pelo menos ajudasse nas despesas de restauração. O Cel. Litercílio Rocha continuou insensível para os reclamos da pequena comunidade residente na Ilha do Miradouro e também da sociedade xiquexiquense que tinha como hábito anual fazer as novenas de Senhora Sant'Ana.
Em face disso a juventude xiquexiquense da época, liderada por dois jovens, Custódio Moraes e José Roldão, resolveram unir esforços e angariar recursos para a recuperação da Igreja. Inicialmente vislumbraram que a melhor oportunidade seria promover uma quermesse no período das novenas de Senhora Sant'Ana, onde com a venda de bebidas e guloseimas poderiam levantar os fundos suficientes para a empreitada. No meio do novenário constataram que, devido a pobreza do lugar dificilmente conseguiriam o numerário suficiente. Precisariam urgentemente de uma idéia, mas uma idéia brilhante, para conseguir o dinheiro necessário.

Matutaram, matutaram e tiveram a idéia. Não sei quem a teve, mas a mesma foi de logo encampada pelos dois jovens. Fariam uma rifa de um boi. Mas, que boi? Eles não eram fazendeiros e nem tinham para quem pedir o animal a ser rifado. Tiveram então a brilhante idéia de rifar o boi "Pintado".
Boi "Pintado", principal reprodutor bovino de propriedade do Cel. Litercílio Rocha, era conhecido de todos por ser um marruá de excelente procedência, mestiço da raça indubrasil de pelagem preta e branca, daí o seu nome, adquirido em Minas Gerais e destinado a melhorar a genética do seu rebanho no sertão baiano. Talvez fosse o único animal, na região, que não gozava da felicidade de pastar solto no sertão. Sempre vivia estabulado e comia em cocheiras. Por tudo isso, quando os jovens Custódio Moraes e José Roldão, divulgaram que o boi "Pintado" seria rifado para com o dinheiro arrecadado iniciarem a restauração da Igreja de Senhora Sant'Ana do Miradouro, todo o povo de Xique-Xique e arredores se empolgou e entraram de cabeça na campanha da venda dos bilhetes da rifa do boi famoso.

E, a confiança do povo não era infundada. Custódio Moraes filho de família ilustra da cidade era um dos mais promissores comerciantes do lugar. José Roldão era um artista e gênio da pintura e ganhava a vida exercendo a profissão de pintor das residências da elite xiquexiquense. Era estimado e respeitado por toda a sociedade e todos gostariam de possuir recursos financeiros para disporem, em suas casas, de decorações criadas e pintadas por José Roldão. A dupla, portanto, que encabeçava a rifa era imbatível.
A venda dos bilhetes durou até o dia 25 de julho, último dia da novena e o sorteio foi realizado no dia seguinte, pela manhã, logo após a missa da festa da Padroeira. Sorteado o nome do felizardo toda a população, principalmente as pessoas que adquiriram os bilhetes, ficou na expectativa aguardando o momento da entrega do valioso reprodutor. Imediatamente José Roldão, portando um objeto embrulhado em papel, se apresentou como o entregador do prêmio. Dirigindo-se à pessoa contemplada entregou-lhe o embrulho e pediu que abrisse. Ansiosamente o pacote foi desembrulhado e surge uma pintura em tela muito bem feita, por Roldão, de um BOI PINTADO. No que pese a beleza da tela, todos os que colaboraram com a rifa estavam certos de que estava sendo rifado o boi "Pintado" do Cel. Litercílio Rocha.
José Roldão, já que Custódio Moraes havia zarpado, sumido da vista de todos, ainda tentou explicar que o bilhete da rifa dizia que era o sorteio do boi pintado, mas o povo revoltado, comandado pelo ganhador da rifa não aceitou nenhuma explicação e partiu para dar-lhe o devido corretivo pelo engano a que submetera toda a população. Mas, como José Roldão era magro e ligeiro, conseguiu escapar da turba revoltada e passou muitos dias escondidos.
Até hoje não se sabe o paradeiro dessa tela produzida pelo mestre José Roldão. Muitos dos cidadãos que estavam presentes àquela festa de Senhora Sant'Ana do Miradouro e que por certo, também, compraram um bilhete da rifa, gostariam de possuí-la ornamentando a sala principal da sua residência, não só para registrar o prazeiroso evento da famosa rifa, mas também para poder possuir uma obra rara do nosso artista xiquexiquense.
Desejo informar aos leitores que a rifa do boi pintado é fato realmente acontecido em Xiquexique na primeira metade do sec. XX e que devido a inexistência de um periódico para registrá-lo foi sendo, oralmente, repassado através das gerações e, como "quem conta um conto aumenta um ponto", diz o ditado, existem várias versões sobre o tema. Essa, que agora divulgo, foi a que me chegou através de conversas com pessoas idosas de Xique-Xique.
jmc/

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