sábado, 25 de agosto de 2012

Crônica: MINHA VIDA BANCÁRIA - Cervejas "chocas".

                   AS TRÊS CERVEJAS  “CHOCAS

         No começo da minha vida bancária fui nomeado para trabalhar numa pequena cidade do interior da Bahia, cuja atividade principal era  a agricultura  onde praticamente todas as pessoas das mais diferentes classes sociais dedicam-se ao plantio de feijão, milho, mamona ou qualquer outro grão. 
      Devido à intensa atividade agrícola, ali se destacavam com financiadores da produção o Banco do Brasil, Banco do Nordeste e o extinto Banco do Estado da Bahia. 
          Mesmo sendo uma pequenina cidade com menos de 10.000 habitantes, sem calçamento, sem energia e sem água doce, todas as segundas-feiras, fervilhava de gente e poeira face à feira semanal e aos inúmeros tratores circulando pelas suas ruas.
                O trator, além dos trabalhos normais nas roças, era utilizado como um dos principais   meios de transportes, principalmente pelas pessoas que se dirigiam  à  feira semanal. Era uma festa. Todos os que moravam fora da cidade fossem em outros municípios ou distritos faziam questão de vir à feira, pois era o momento de venderem os seus produtos e adquirirem outros para consumo no decorrer da semana.
         Fim do dia, lá pelas 17 horas as atividades dos feirantes já estavam praticamente encerradas. As pessoas já se acomodavam nas carrocerias dos caminhões ou nas carretas dos tratores para voltarem as suas casas. Estavam satisfeitas, pois tinham vendidos os seus produtos e adquiridos  outros para as necessidades pessoais e familiares. Restava apenas usufruir um pouco da cidade que para eles era grande. Por isso alguns se dirigiam aos bares para beberem um pouco de cerveja gelada, coisa rara nos locais onde moravam.
         O expediente do Banco já havia encerrado e  nós estávamos  tomando uma cervejinha para jantarmos na “república”, quando chegam 2 feirantes, que, com as atividades concluídas desejam se distrair um pouco antes de pegar o transporte de volta para casa. Pediram então uma cerveja bem gelada.  
          O dono do bar, querendo aproveitar da inexperiência dos lavradores, em relação à cervejas, resolveu abrir uma das 3 cervejas “choca” que horas antes foram  devolvidas por outros clientes conhecedores da bebida. Com muito cuidado fez que abriu a cerveja pedida, que por sinal estava bem gelada, encheu os copos dos rurícolas, - espuma nem de longe - e os dois, imediatamente começaram a bebericar e a conversar. Em pouco tempo secaram a garrafa de cerveja sem nada reclamarem.  Pediram outra garrafa.
         Numa mesa próxima, a gente começou a se  interessar pelos vizinhos bebedores de cerveja “choca” e resolvemos ficar mais um pouco para saber como iria terminar a enganação, pois sabíamos que o dono do bar dispunha de 3 cervejas  “chocas” e que iria tentar desonestamente empurrá-las  em algum bebedor novato.
         Novamente o dono do bar repete o mesmo procedimento. Pega a segunda cerveja  “choca” abre-a e enche os copos dos 2 lavradores. Denotando estranha sede, os dois bebem com sofreguidão e como o papo continuava animado ingerem a segunda garrafa e, para espanto do dono do bar, pedem a terceira cerveja.
         Era o que o dono do bar mais desejava. Guardara as 3 cervejas “chocas” aventurando empurrá-las em algum feirante e estava conseguindo o intento com todo o sucesso. Retornou ao interior do bar pegou a  terceira cerveja “choca” abriu-a com toda a reverência e gentilmente encheu os copos dos 2 cliente. Estes não paravam de conversar e chegaram mesmo a elogiar a excelente temperatura da bebida. Em pouco tempo bebem a terceira garrafa e pedem a saideira.
         A partir desse pedido acabaram-se os sobressaltos do dono do bar. Empurrara, tranquilamente as 3 garrafas de cerveja “choca” e agora, na sua geladeira só existiam cervejas boas e assim estava livre de qualquer reclamação que partisse dos dois agricultores. Com muita alegria, e olhando para nós com um sorrisinho maroto nos lábios, abriu a quarta cerveja que ao cair nos copos apresentou  consistente espuma que denotava a  boa qualidade do produto.
         Ao tocar nos lábios o copo borbulhante de cerveja um dos agricultores, já um pouco alterado pela ingestão das 3 cervejas anteriores, talvez misturadas com algumas doses de cachaça tomadas no decorrer do dia, levantou-se irado e recusou a quarta cerveja alegando que estava “choca”.  Chegou a dizer alguns desaforos ao dono do bar e se indignou com a falta de consideração do mesmo por ter tentado passar-lhes uma cerveja “choca”, mesmo já tendo feito um bom consumo naquele estabelecimento. Debalde o dono do bar tentou explicar que a cerveja estava boa. Não houve acordo. Os dois devolveram a cerveja como “choca” e saíram prometendo não mais retornarem ao bar daquele desonesto e sem consideração. Subiram na carroceria do caminhão e  foram embora.
         Levantamo-nos e fomos para a “república” refletindo e comentando como determinadas “sabedorias” podem virar contra o “sabido”, nesse caso representada pela perda dos clientes. 

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