sexta-feira, 9 de abril de 2010

Crônica: O CORONEL E A LUZ ELÉTRICA DE XIQUEXIQUE (BA)

O CORONEL E A LUZ ELÉTRICA EM XIQUEXIQUE


No início da década de 1930, quando Xiquexique (BA), ainda era precariamente iluminada com candeeiros utilizando o combustível querosene, o Cel. Francisco Xavier Guimarães, um dos líderes políticos da cidade, foi nomeado, pelo Interventor Federal na Bahia, Juracy Montenegro Magalhães, Prefeito Municipal, para um mandato de 1933 1938. O Cel. Francisco Xavier Guimarães foi o político xiquexiquense que por mais tempo, em três mandatos alternados, exerceu a chefia do executivo municipal. Ao assumir o terceiro mandato, em 1933, já chegou com a idéia pré-concebida de realizar pelo menos 2 grandes obras n: I) dotar Xiquexique de uma boa iluminação elétrica e II) construir um prédio decente para funcionar uma escola primária mantida pelo poder público. Realizou essas duas grandes obras. Hoje falaremos apenas da primeira, ou seja, a instalação de energia elétrica em Xiquexique (BA), nos idos de 1936, portanto há 74 anos atras.
Como ainda não existia a hidrelétrica de Paulo Afonso e a opção por um motor a óleo diesel era uma alternativa muito cara e inacessível para aquela pequena comunidade do interior baiano, o Coronel, ora Prefeito, resolveu visitar algumas cidades da Bahia para conhecer as alternativas existentes, ocasião em que tomou conhecimento de que algumas localidades eram dotadas de iluminação elétrica gerada a partir de um dínamo acionado por uma caldeira a vapor.
A partir daí, melhorar a iluminação de Xiquexique, utilizando um equipamento semelhante, passou a ser a obsessão do novo Prefeito e o principal assunto das suas conversas. O entusiasmo do chefe do Executivo contagiou todo o povo da cidade que passou a contar como certo que dentro de pouco tempo iria dispor de energia elétrica pois tinha plena confiança no seu líder político que era homem de muita credibilidade e muita força de vontade.
Como mantinha um excelente relacionamento pessoal e político com o Interventor da Bahia, Juracy Magalhães, o Prefeito, não perdeu tempo e em expediente a ele endereçado, solicitou-lhe, sem arrodeios, recursos para adquirir um equipamento a vapor objetivando dotar a sua cidade de energia elétrica. No documento enviado deixou bem claro que essa era uma promessa por ele feita aos seus conterrâneos e que já havia se transformado em anseio popular, por isso tinha obrigação de cumprí-la. Em atenção ao amigo Prefeito o Interventor Juracy Magalhães respondeu prometendo que dentro de pouco tempo Xiquexique seria contemplada com os equipamentos solicitados para a geração de energia elétrica de boa qualidade, resposta essa que foi amplamente divulgada por toda a cidade.
Confiado na promessa do amigo, autoridade mor do Estado da Bahia, o Prefeito, tímida e modestamente, limitado pelos parcos recursos da Prefeitura, iniciou a tomada de algumas providências no sentido de criar um mínimo de infraestrutura destinada a receber os equipamentos, chegando, inclusive, a preparar e fazer a posteação e fiação necessários à distribuição da energia elétrica que seria produzida pelo equipamento a vapor.
Mas, o tempo, senhor inexorável de todas as coisas, foi passando e nada de o Interventor cumprir a promessa feita alguns meses atrás, levando o Prefeito a começar a desconfiar que estava sendo enrolado pelo amigo. Como era homem de decisão resolveu ir à Salvador e tratar do assunto diretamente com Sua Excelência o Interventor. E, assim fez. Mas, em Salvador, quando da audiência com o Interventor Federal Juracy Magalhães, sofreu a maior decepção da sua vida ao ser informado, pessoalmente e a queima roupa, de que o Estado, naquele momento, não dispunha de verbas para atender ao pedido do amigo Prefeito, mas que este aguardasse que o assunto estaria na ordem de prioridade para quando o Estado dispusesse de recursos.
Foi uma decepção que quase o levou a morte, mas o velho Chico Guimarães era duro na queda e recompondo-se, despediu-se, cordialmente, do amigo e saiu do palácio ruminando uma solução para o caso. Já estava por ele decidido que Xiquexique teria uma considerável melhora na sua precária energia elétrica a querosene. Faltava apenas resolver como seria equacionado esse problema. Dia seguinte, já com as emoções controladas, tomou conhecimento de que em Salvador havia um escritório que se encarregava, após o fechamento do negócio, de importar o maquinário por ele desejado. Sem perda de tempo e somente por precaução, enviou carta para a sua mulher D. Otacília Guimarães (D. Donana) e pediu-lhe que lhe enviasse uma determinada quantia em dinheiro, pois, como não conseguira a verba desejada para a luz de Xiquexique iria comprar, com seus próprios recursos, o equipamento.
Com o numerário disponibilizado no banco, dirigiu-se ao escritório e fechou o negócio para a compra da caldeira e demais acessórios necessários à produção de energia elétrica. Para felicidade do Prefeito, existia no depósito da importadora um desses equipamentos embalados, que de imediato foi despachado para Xiquexique via Juazeiro (BA), utilizando o trem de ferro e o vapor. Junto com o maquinário seguiram os técnicos encarregados da montagem e do funcionamento do conjunto gerador.
Em Xiquexique os equipamentos foram desembarcados e encaminhados para o local onde seriam instalados, um prédio novo especialmente construído no final da Rua Góes Calmon (Rua Grande) e por todos conhecido como prédio da Usina (foto), que, atualmente funciona como creche.
Enquanto os engenheiros trabalhavam em Xiquexique, montando o equipamento, o Prefeito permaneceu em Salvador pois, prometera a si próprio que somente colocaria os pés na cidade para inaugurar o luz. Ao tomar conhecimento de que todo o equipamento estava instalando e a caldeira, já testada, estava queimando lenha, saiu de Salvador de trem para Juazeiro e de lá pegou um vapor para Xiquexique. Todo o povo da cidade que acompanhava a odisséia desde que o Prefeito viajara para Salvador, esperava ansiosamente a chegada do líder para a festa da inauguração da luz. Ao passar por Pilão Arcado, cidade a pouco mais de 100 km de Xiquexique, o Prefeito enviou telegrama para os correligionários informando que no dia seguinte estaria entrando na cidade e gostaria de ver toda a população no cais da cidade a esperá-lo.
O desejo do velho Prefeito foi atendido, com a integralidade do povo, na beira do rio, de pé ao longo do cais, hoje inexistente destruído que foi pelo PAREDÃO. Aguardavam a triunfal entrada na Ipueira, do Cel. Chico Guimarães. Mas, o destino parecendo querer, mais uma vez, empanar o sonho do coronel, ainda lhe pregaria uma peça, como que querendo provar-lhe a tenacidade e a fibra para as tomadas de decisão. Assim, quando o vapor saia do Rio São Francisco para entrar no Canal do Guaxinim e ter acesso à Ipueira e ao porto da cidade, o experiente comandante do navio constatou que em face da seca, a profundidade do Canal não permitiria a navegabilidade e a chegada ao porto. Era mais uma tribulação para o velho coronel, que esperava navegar pelo Lago Ipueira tendo ao lado toda a tripulação e, em frente à cidade, emitir o longo apito do vapor anunciando a sua chegada festiva. De forma alguma aceitaria desembarcar em outro local que não o porto de Xiquexique para poder, subindo os degraus do cais do perau, ouvir a ovação popular.
Acostumado, pois, à tomada de decisões, verificou que somente reduzindo a carga do vapor e diminuindo-lhe o peso, poderia continuar navegando pelo Canal do Guaxinim e ter acesso ao porto. Assim, em negociação com o comandante, conseguiu que toda a carga fosse transferida para a lancha reboque e esta desatrelada e ancorada no Canal para ser recuperada na volta do vapor. Conseguiu, ainda que todos os outros passageiros desembarcassem na Ilha do Miradouro e permanecesse na vapor apenas a tripulação necessária.
Com essa drástica redução de peso, o vapor deslizou tranquilamente pelo Canal e no meio da tarde de 24.05.1936, ingressou na Ipueira em frente á cidade, já apitando com toda a força da caldeira e anunciando ao povo, que ainda permanecia postado na beira do cais, que o grande líder estava adentrando à cidade para inaugurar o prometida luz elétrica. A partir daí, a ovação foi generalizada. Os vivas, os gritos e as palmas eram tão intensos que mal se ouviam o pipocar das centenas de foguetes fabricados pelo fogueteiro Romualdo e que ali foram colocados para homenagear o Coronel Chico Xavier.
Sem perder tempo, o Coronel Prefeito desembarcou do vapor e mesmo sem ir em casa, dirigiu-se diretamente para a Usina, onde estava instalado a caldeira e lá, ainda sob os gritos e os aplausos do povo, o pipocar dos fogos de Romualdo e tendo como fundo musical os dobrados e hinos tocados pelas filarmônicas, o Prefeito, orgulhosamente acionando a chave geral, ligou todo o sistema que de imediato passou a gerar energia para toda a cidade, retornando em seguida, nos braços do povo, para a sua residência situada na praça D. Máximo.

OBS.: Para conhecimento da geração mais nova, a Caldeira forneceu energia a Xiquexique até o dia 07/04/1955, quando foi substituída por um motor a óleo diesel. Felizmente as nossas autoridades tiveram o discernimento e o bom senso de preservarem, na Praça 6 de Julho, esse equipamento que tantos serviços prestou aos xiquexiquenses.

Um comentário:

  1. Meu avô conhecido como Zezinho da Luz, trabalhou muitos anos na caldeira e posteriormente no motor a diesel. Durante muito tempo ele desligava a energia da cidade que funcionava até às 0:00

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